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Caminhando sem parar
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Pelo Facebook, o administrador público Ricky Ribeiro, 34 anos, pede ajuda. ?Estou vendo um esquema especial para assistir um jogo da Copa na Arena Corinthians e consegui os ingressos. Como atualmente não consigo segurar o pescoço e não tenho movimento, precisaria me deslocar deitado até o estádio. Será que existe carro adaptado para ambulância?”. A missão de chegar ao estádio era difícil já que Ricky é portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA), doença degenerativa que diminui progressivamente o controle dos movimentos.

Além da ambulância, era preciso conseguir um lugar no estádio para a cadeira especial que segura seu pescoço e uma tomada disponível para ligar seu respirador. Mas Ricky está longe de se deixar paralisar.  “Desde os 17 anos, ele queria fazer o bem comum”, conta a mãe, Cristina Ribeiro.

Graduou-se, em 2002, no curso de administração pública da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo. Depois de formado, passou dois anos em Barcelona. Fez um MBA Executivo pela Universidade de Barcelona e um Mestrado em Sustentabilidade pela Universidade Politécnica da Catalunha (UPC). De volta ao Brasil, foi morar e trabalhar no Recife. “Eu tinha uma vida perfeita: ia a pé para o trabalho, jogava tênis, andava de bicicleta e corria na praia”, conta Ricky. Foi aí que a doença começou a se manifestar, com falhas no comando das pernas, que provocavam quedas. Em 2008, o diagnóstico foi confirmado. Mas o que poderia ter sido uma história trágica acabou se tornando um insight profissional. Ao saber que perderia os movimentos, Ricky decidiu criar o Mobilize, o maior portal de mobilidade urbana do Brasil.”

“Dificilmente existiria o Mobilize se eu não tivesse perdido os movimentos”, conta Ricky com ajuda de um aparelho com o qual “digita” usando os olhos, já que também perdeu a capacidade da fala. “Um diagnóstico como o que eu tive gera uma reflexão sobre a vida e, quando passei a ter mais tempo livre, decidi que queria entender mais sobre mobilidade urbana para trabalhar com o tema caso ficasse curado algum dia.” Foi assim que ele concebeu o portal.

Os pais e os amigos tiveram papel fundamental nesse processo. Os camaradas Renato Miralla e Guilherme Bueno conseguiram patrocínio para financiar o projeto editorial, elaborado pelo jornalista e economista Thiago Guimarães. Meses depois, eles fizeram uma campanha de arrecadação para que o jornalista Marcos de Souza e sua agência de conteúdo, a Mandarim, fossem contratados para produzir matérias e estudos para o portal. “Mas a pessoa mais importante nesse processo foi Cristina Ribeiro, minha mãe. Ela é uma profissional muito competente, que se destacou em todos os lugares por onde passou e que deixou o cargo de diretora em uma empresa para cuidar de mim quando comecei a ficar dependente.” Ela articulou todos os envolvidos no portal, cuidou da parte administrativa e fez o Mobilize acontecer.

O portal nasceu em 2011 com a missão de contribuir com a melhoria da mobilidade urbana e da qualidade de vida nas cidades brasileiras. Na radiografia que fizeram dos indicadores disponíveis sobre o assunto no País, um dado se sobressaía: a maioria dos deslocamentos nas cidades brasileiras (36,8%) é feita a pé. Isso sem contar as caminhadas até o transporte público, o carro ou a bicicleta. Ficou evidente a importância das calçadas para a mobilidade urbana no País.

“O poder público imputou a responsabilidade das calçadas aos proprietários dos imóveis, mas se é quase impossível garantir um padrão em um único quarteirão, imagine na cidade inteira”, questiona Ricky. Ele e a equipe do Mobilize defendem que as calçadas sejam de responsabilidade das prefeituras, assim como são as ruas e avenidas. “Exemplos de outros países mostram que somente o poder público tem capacidade e autoridade para projetar, construir, fiscalizar e manter as calçadas, além da sinalização e iluminação, nos padrões necessários.”

Veio dessa reflexão a ideia para a primeira campanha do Mobilize, a Calçadas do Brasil, em 2012. Colaboradores do portal levantaram dados sobre as calçadas das 12 cidades-sede da Copa do Mundo. A pesquisa permitiu comparar dados, atribuir notas às cidades e criar um ranking brasileiro de calçadas. O resultado foi desolador: a média das notas atribuídas ficou em 3,4. Segundo os critérios da pesquisa, a nota mínima para uma calçada de qualidade seria 8. Nenhuma das cidades atingiu esse mínimo.

A divulgação da campanha Calçadas do Brasil ganhou repercussão. “O ranking saiu no Jornal Nacional e fomos procurados pelos prefeitos de São Paulo, Rio de Janeiro, Manaus e Salvador com promessas de consertar as calçadas”, conta Cristina. O Mobilize também foi procurado pelo secretário nacional de Transporte e Mobilidade Urbana, Julio Eduardo dos Santos: “Vocês têm mais dados do que nós na Secretaria!”.

Ricky estava pautando a imprensa nacional e influenciando a gestão pública de cidades. E cuidava disso sem sair da cama. “Além de ser um trabalho de que gosto muito, sinto que estou fazendo algo útil. Luto por uma causa que é muito maior e mais importante que a minha doença.”

Olhos-atalhos

Ricky consegue trabalhar e se comunicar com o mundo graças ao aparelho Tobii Eye, que detecta o movimento da retina e permite que os olhos controlem a tela do computador. Ele ainda consegue mover as sobrancelhas, seu código para “sim”, e o pescoço, levemente à esquerda, o que significa ?não?. A mãe Cristina traduz tudo o que o filho quer dizer: ele mostra fotos no Facebook e ela conta as histórias das fotos, ele abre um link e ela explica o conteúdo.

Ricky passeia os olhos pela tela do computador seguindo uma lógica cartesiana. Tudo de que precisa – softwares, links, referências ? está organizado em atalhos. Talvez esteja aí a maior vocação do Mobilize: criar atalhos. Segundo o doutor em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade de São Paulo, Vladimir Bartalini, “mobilidade é a equação entre tempo e dinheiro que separa as pessoas das oportunidades (escola, trabalho, hospitais, áreas de lazer, etc.)”. Melhorar a mobilidade é criar atalhos entre pessoas e oportunidades.

“Eu vivenciei por quase três anos os benefícios do urbanismo de Barcelona”, lembra Ricky. “Lá, a cidade é compacta e a maioria dos bairros é multifuncional, contendo moradia, emprego, estudo e lazer.”  Ele cita o diretor da Agência de Ecologia Urbana de Barcelona, Salvador Rueda, para quem as cidades são ecossistemas e, como na natureza, quanto maior a complexidade organizacional do sistema, mais desenvolvido ele é.

Na prática, isso significa oferecer mais escolhas às pessoas. Vem daí o insight para a nova campanha do portal, a Sinalize, pensada não apenas para carros como também para pedestres, ciclistas e usuários de transporte público. “Uma cidade com informações para todos dá autonomia às pessoas em seus deslocamentos”, corrobora o urbanista do Gehl Architects, Jeff Risom. Autonomia é uma característica que Ricky conseguiu manter, ainda que parcialmente.

Após dois anos sem sair de casa – a última vez tinha sido em 2012, para uma traqueostomia -, ele conseguiu mobilizar amigos, parentes, desconhecidos e a FiFa para realizar seu sonho. No dia 1º de julho,  foi de ambulância à Arena Corinthians e viu a Argentina derrotar a Suíça por 1 a 0 na prorrogação. “Foi inesquecível. Mas tão emocionante quanto a ida ao estádio, foi o processo para viabilizá-la.” Tudo aconteceu graças ao empenho de seus pais, de amigos e mesmo de colaboradores que Ricky nem conhece.  “Sinto que cada uma dessas pessoas de alguma forma estava lá comigo naquele momento especial.”

Informações sobre  as campanhas Calçadas do Brasil  e Sinalize, bem como manuais de boas práticas, estão no site do portal do Mobilize:  mobilize.org.br

Natália Garcia toca o projeto Cidades para Pessoas e visitou 12 destinos-modelo pelo mundo para inspirar  o Brasil.

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