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O que a vida em comunidade me ensinou
Paola Viveiros
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Visita zen ensina que compartilhar não apenas o espaço mas também atividades com o outro é um grande exercício de generosidade e de respeito

“Você pode me receber na sua casa? A gente pode meditar junto, fazer ioga. Ou então, chamar uns amigos e preparar um jantar. Eu vou com tempo para a gente estar junto e jogar conversa fora.” Foi assim que eu fiz o meu convite para o que chamei de Visita Zen, a maneira que encontrei de trazer a vida e a prática das comunidades zen-budistas americanas para os seis meses que passei em São Paulo, período necessário para preparar a próxima viagem.

Você deve estar pensando que eu sou meio hippie, para sair pedindo isso, mas não é bem o caso. Até 2013 eu tinha uma vida bem convencional, com meu apartamento, meu carro, minha cachorrinha e meu trabalho num escritório de design gráfico.

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Mas a minha vontade de viajar, conhecer mais do mundo e praticar o zen-budismo com maior profundidade me fez empacotar essa vida programada e seguir para a Califórnia para visitar os zen centers e depois viajar pelo México e pela América Central. A saber, os zen centers foram criados e se expandiram nos Estados Unidos. São locais feitos para quem quer estudar a filosofia e a prática do zen-budismo, em períodos longos de imersão.

Vida em comunidade

Desses três anos de viagem, a metade do tempo passei em diferentes centros. E foi nesses locais que peguei gosto pela vida comunitária. Cada lugar é diferente, mas de uma maneira geral todos têm alguns pontos em comum: se pratica meditação junto, são realizadas cerimônias diariamente e se trabalha contribuindo para a sustentação do zen center.

Mas um aspecto que me marcou demais foi a convivência entre as pessoas. As refeições, por exemplo, são feitas com todo mundo junto – e sem qualquer telefone celular por perto. E para encontrar um amigo, basta descer no térreo ou bater na porta do vizinho.

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A sanga, a comunidade de praticantes, é uma das três joias do budismo – Buda e Darma são as outras joias. Todo dia fazemos o refúgio: “Eu me refugio na Sanga, antes de todos os seres, trazendo harmonia para todos, livre de impedimentos”.

Possibilidade do novo

A vida comunitária me fez realmente sentir e praticar essa joia preciosa, e era essa qualidade de relacionamento que eu queria trazer para o meu período em São Paulo. Eu já me sentia incomodada com o ritmo da cidade no passado, porque é algo que nos leva cada vez mais ao isolamento.

Para encontrar um amigo, por exemplo, você tem que achar aquele espaço apertado na agenda, depois do trabalho e antes da terapia, daqui a três semanas, e ainda correr o risco de desmarcar por causa do trabalho ou do trânsito. Eu queria experimentar estar na cidade de outra maneira, oferecendo a minha presença e meu tempo.

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Divulguei, então, a Visita Zen através do meu blog. Eu queria estar aberta para a resposta, positiva ou negativa, de conhecidos ou desconhecidos, de gente que mora em bairros próximos ou distantes. Para a minha grata surpresa, tive mais pessoas me oferecendo hospedagem do que realmente tempo para ficar comigo. No geral, responderam conhecidos ou amigos de amigos, mas não pessoas que já fossem muito próximas de mim. E isso também foi bom porque me possibilitou criar novos relacionamentos.

Jornada de visita zen

Eu organizei cada uma das visitas de maneira que a duração das estadias fosse de aproximadamente uma semana, tempo suficiente para criar intimidade, mas não tão longo que eu pudesse incomodar. Não fiz uma programação predefinida, ao contrário, cada situação, cada pessoa, era única e a gente pensava junto o que fazer. Assim, em cada semana eu me mudei de uma casa para outra com a minha mochila nas costas, pronta para um novo encontro.

De modo geral, o dia começava com o zazen, meditação zen, junto à pessoa que me hospedava, trazendo a presença e a concentração dessa prática para a manhã. Uma dessas pessoas que me abriu as portas foi a Titi, que já conhecia os preceitos do zen-budismo, mas queria trazer a prática da meditação para o seu dia a dia.

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Titi tem, como rotina, fazer ginástica pela manhã e depois disso volta para casa. Nesse retorno, nos sentávamos na sala para meditar. Também fizemos algumas aulas de kundalini ioga, e para isso empurramos os sofás da sala e transformamos o espaço. Numa classe de ioga com várias pessoas, você escolhe o que parece mais adequado para trabalhar com o grupo, mas praticar com apenas uma pessoa abre a possibilidade de ensinar e pensar nas necessidades de cada um.

Zen centers

Além de me hospedar em residências, também compartilhei minha experiência nos zen centers em algumas sangas. Também estive por alguns dias no Zendo Brasil (centro budista), onde fiquei, ajudei nas tarefas da cozinha e na preparação do retiro zen, o sesshin, que aconteceu durante a Páscoa. Foi bom poder mudar de posição e contribuir para que outras pessoas pudessem participar de um retiro, algo que sempre fez tão bem para mim.

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Ainda em São Paulo, passei alguns dias na casa da Monja Waho e participei da rotina da sua sala de zazen, a Terigata. Durante a semana, após a meditação, quando se serve um chá, pude contar como foi viver em um zen center. Também dividi essa experiência em outros lugares, como Brasília, no Zendo Brasília, no Zazen Rio (RJ) e Via Zen (Porto Alegre).

Compartilhar a mesa

A única atividade em comum em todas as visitas foi cozinhar e comer junto. Compartilhar a mesa é uma das coisas que trazem mais intimidade e fazem nascer o sentimento de família. Preparar comida provoca esse prazer de estar nutrindo e cuidando. E, de novo, em cada casa onde estive isso aconteceu de maneira única, sem qualquer tipo de padrão. Em alguns lugares, fiz suco verde de manhã ou tapioca.

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Na casa da Ana e da Julinha aproveitamos para convidar amigos e ter um momento de encontro. Na Julinha, organizamos um almoço indiano, na Ana preparamos uma jantar japonês e compramos os ingredientes juntas para o sukiyaki, prato com legumes e que se prepara direto na mesa.

Respeito pelo outro

Uma das visitas que mais me marcaram foi na casa da Adele, uma amiga que se mudou recentemente para Maresias, litoral de São Paulo. Adele estava com vários projetos sobre o que fazer na nova casa. Estávamos em momentos diferentes, mas parecidos. Ela sonhava e curtia a nova vida. E eu me preparava para uma nova temporada no zen center – e também refletia sobre as diversas realidades que poderiam surgir dessa experiência.

Ou seja, cada uma estava vivendo seu próprio sonho e criando uma maneira de estar no mundo que fazia sentido para si. Isso me mostrou que a vida em comunidade demanda respeito pelos sonhos e desejos do outro, mas a colaboração deve ser sempre mais importante do que a competição.

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Outro exemplo disso foi o tempo em que me hospedei na casa do meu primo Andre. O momento político estava bastante polarizado e tínhamos maneiras diferentes de pensar sobre isso, mas ainda assim nos esforçamos e fizemos com que fosse possível manter um diálogo mesmo diante da desigualdade. Pode ser difícil conversar com alguém que você gosta, mas que pensa diferente, mas é um esforço que vale a pena. Me vem à cabeça a frase de Gandhi: “Não existe caminho para a paz, a paz é o caminho.”

Ouvir e estar junto

Outra visita zen na qual aprendi bastante foi na casa da Marília. Ela estava passando por um momento difícil, de separação, e também pelo processo de adoção da filha Luísa. Na semana em que eu estive lá, ela teve uma audiência no fórum e estava lidando com advogados e toda a questão jurídica. Claramente não era um momento fácil, mas foi interessante, porque, várias vezes, ela me disse o quanto a minha presença estava sendo boa. Eu pude sentir que o simples fato de estar lá e ouvi-la já era uma grande ajuda.

Para ela, era bom poder conversar com alguém e, para mim, também foi importante ver como ajudar é mais fácil do que a gente imagina – como não estava envolvida na história, podia apenas ouvir com neutralidade. Foi um aprendizado de que dar e receber ajuda pode ser leve.

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Além disso, foi gratificante participar do dia a dia da família e da Luísa. A Marília me disse que uma das educadoras falou da importância para a criança de ter uma rede de apoio, de saber que não depende só do pai ou da mãe. E durante essa semana eu fiz parte dessa rede, ficando algumas vezes com a Luísa. Isso me fez refletir o quanto isso também não é verdade para nós adultos. Quando estamos nessa rede de suporte e cuidando uns dos outros, estamos menos vulneráveis.

Ensinamento profundo da visita zen

Outra lição de ajuda foi quando peguei uma gripe forte e precisei me recuperar. Estar doente me fez entrar em contato com a minha fragilidade e necessidade de espaço. Foi um momento de um grande desafio. Afinal, como cuidar de mim e estar disponível ao mesmo tempo? Aí eu pedi para me hospedar na casa da Helo e do Yuho. Ela é uma das minhas melhores amigas e ele, um grande amigo e monge zen. Os dois se conheceram na minha primeira festa de despedida, em 2013.

Nessa hora, foi essencial contar com a amizade e aceitar o limite que o meu corpo estava me dando. Fiquei aninhada na casa deles esperando a gripe passar e aceitar que às vezes a gente ajuda e, às vezes, é ajudado.
No budismo se fala que o ato de dar, de receber e o que é dado são vazios. Um não existe sem o outro. A visita zen me mostrou a verdade e a profundidade desse ensinamento.

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Quem estava dando e quem estava recebendo? Juntos, todos estávamos criando uma nova maneira de estar próximos, com harmonia, generosidade e abertura. Gratidão é o meu sentimento por ser possível criar esse espaço, e que essa experiência possa ajudar a criar um mundo mais afetivo e receptivo.

Carol Enguetsu Lefevre está vivendo em um mosteiro, sem conexão. Ela enviou este texto por carta escrita à mão.

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