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O poder da gratidão
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Exercitar esse sentimento no dia a dia faz bem para a gente mesmo e também para quem está próximo. Melhor, nos ajuda a cultivar a desejada paz interna

Não chegaríamos aqui à toa. Repito essa frase a mim mesmo algumas vezes enquanto escrevo este texto. Quantas guerras, intempéries, furacões, terremotos, pestes, fome, miséria, descobertas, amizades, amores, fartura, riquezas e uma gama de outras situações foram vividas por aqueles que vieram bem antes de nós para que pudéssemos agora estar exatamente no lugar em que estamos?

Um pensamento que me transporta diretamente a um aprendizado que tive certa vez com uma religião oriental que estudei, na qual seus frequentadores cultuam os antepassados. Apesar da beleza do ritual, uma das coisas que mais me impressionaram foi o cálculo matemático apresentado por eles sobre os nossos elos de conexão – era algo que eu nunca havia parado para pensar.

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Para ter uma ideia, ao olhar para trás, para as últimas dez gerações, por exemplo, cada um de nós encontrará o incrível número de 1.024 pessoas que se ligaram umas às outras até chegar aos nossos pais, que, por conseguinte, nos permitiram nascer. Avós, bisavós, trisavós, tetravós, pentavós e o sempre crescente número de famílias que compõem a ascendência de cada um de nós me fazem repetir a mesma frase: não chegaríamos aqui à toa. Mas, acima de tudo, me despertam o sentimento que deveria reger toda a humanidade, o de gratidão.

A gratidão

Essa emoção tem sido bastante analisada pela ciência nas últimas décadas. E os estudos só comprovam os inúmeros benefícios que ela exerce em quem a pratica no seu dia a dia. Entre as diversas pesquisas, ganha destaque, por exemplo, a realizada na Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, e publicada em 2016. O estudo foi feito com 43 pessoas, homens e mulheres de idades diversas, que participaram do experimento de maneira voluntária. Em comum, todos se tratavam de depressão e distúrbios relacionados à ansiedade. Desses, 22 foram submetidos por três meses a sessões semanais em que deveriam passar um tempo determinado escrevendo cartas para expressar gratidão. Eles eram incentivados a agradecer pelo dia que tiveram, por um encontro com um amigo… Ao final, verificou-se que aqueles que fizeram essa prática ativaram uma área do cérebro responsável por tal sentimento e conseguiram tratar seus distúrbios com mais facilidade.

Outro especialista no assunto, o psicólogo americano Robert A. Emmons, também atestou, por meio de suas pesquisas, como a gratidão reduz as emoções tóxicas das pessoas e gera o aumento da felicidade. Isso porque, segundo seus estudos, ao sermos gratos liberamos no organismo um neurotransmissor conhecido como dopamina, que gera dentro da gente uma onda interna de bem-estar e prazer. Emmons é autor do best-seller Agradeça e Seja Feliz! (Nova Era).

Ser grato

Mas, afinal, o que é ser grato? A pergunta que parece ter uma resposta óbvia tem razão de ser feita atualmente. Nos últimos dois anos, após algumas celebridades usarem a hashtag #gratidão em suas redes sociais, o termo passou a ser utilizado massivamente na web para as mais distintas situações, especialmente ao ser a legenda de fotos publicadas no Instagram: seja a prática de ioga, a visita a um santuário, um banho de sol na praia, um passeio pelo parque e até num treino de MMA.

Certo é que, em muitos casos, se confundiram os sentidos de “obrigado” – palavra que se origina do verbo em latim obligare, o mesmo que se amarrar/ligar por um favor feito por outra pessoa – e de “gratidão” – do latim gratia, o mesmo que graça, reconhecimento por tudo o que é recebido. “Várias pessoas falam em gratidão banalizando a palavra, mas vejo isso com bons olhos, pois é um sinal de caminho evolutivo. Muitas vezes, a gente repete algo para depois trazer realmente para dentro de nós. E tudo bem se essa sensação estiver no campo mental em um primeiro momento, já que estamos em uma sociedade que valoriza muito isso. Não vejo problema, mas espero que essa sensação possa descer da cabeça para o corpo”, salienta Carolina Bergier, educadora na área de sustentabilidade e fundadora da Casa Sou.L, no Rio de Janeiro.

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Para ela, gratidão, no sentido mais amplo, é reconhecer a bênção de estar vivo. “Ela surge quando estou alinhada comigo mesma e na compreensão de que a vida está me trazendo exatamente aquilo de que preciso, que pode ser um copo d’água ou um grande desafio. Às vezes, receber um pouco de água pode ser com um obrigado e outras vezes pode ser com gratidão, depende de onde aquilo está mexendo ou tocando em mim, me levando para a conexão comigo mesma e com o divino. Seja lá o que isso signifique para cada um, é essa força maior que rege nossa existência na Terra”, acredita Bergier.

Tal sentimento encontra eco em Odilon Niskier, um advogado aposentado, hoje com 91 anos. Polonês, vindo para o Brasil em 1932, quando ainda era criança, quem o conhece logo é tocado com a força da gratidão que expressa pela vida e transmite aos que estão ao seu redor, como a esposa, com quem está unido há 61 anos, filhos, netos, irmãos, sobrinhos, amigos.

Gratidão e caráter espirituais

O sentimento não foi alterado nem mesmo quando, há um ano, quebrou o fêmur e precisou fazer cirurgia, seguida de fisioterapia para reaprender a andar. “Tenho uma gratidão enorme pela vida. E não tenho queixas. Pelo contrário, tenho motivos de contentamento e satisfação, reconhecimento por tudo o que recebi e por toda a alegria que as pessoas me proporcionaram”, afirma ele, emocionado. “A vida só tem me dado alegrias, boas recompensas, boas notícias e muita satisfação. As agruras também fazem parte da nossa existência, que tem seus aspectos positivos e aspectos menos positivos, mas tudo é um conjunto, e vou conservar essa gratidão comigo para sempre”, diz Niskier.

Acima de tudo, gratidão não está atrelada a qualquer caráter espiritual. Independentemente de qual seja a crença de cada um, ou mesmo na ausência de uma, o sentimento age igualmente no nosso desenvolvimento pessoal. Um dos mais belos exemplos disso é o livro Gratidão (Companhia das Letras), do neurologista e escritor anglo-americano Oliver Sacks. Declaradamente ateu durante toda a sua existência, Sacks, que assinou vários best-sellers ao longo de sua trajetória, descobriu no início do último ano de sua vida (2015) que estava com um tipo de câncer com pouquíssimas opções de tratamento.

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Diante do prognóstico de pouco mais de seis meses de vida, o médico e cientista se dedicou a escrever quatro ensaios, publicados separadamente no jornal americano The New York Times, e posteriormente reunidos no livro mencionado há pouco. Em todos os textos, cada um à sua maneira, o médico e pesquisador expressou o profundo sentimento de gratidão pela vida que lhe foi permitida. “Não consigo fingir que não estou com medo. Mas meu sentimento predominante é a gratidão. Amei e fui amado, recebi muito e dei algo em troca, li, viajei, pensei, escrevi. Tive meu intercurso com o mundo, o intercurso especial dos escritores e leitores

Acima de tudo, fui um ser senciente, um animal que pensa, neste belo planeta, e só isso já é um enorme privilégio e uma aventura”, escreveu no ensaio intitulado My Own Life.

Força quântica

Olhando cada um de nós pela física e pela saúde quântica, 99,9% do que somos é energia. Apenas a minúscula parte restante é matéria. Consequentemente, a administração de nossas emoções nos encaminha para diferentes tipos de realidades. Para o professor, palestrante e escritor brasileiro Wallace Liimaa, especialista em física quântica e saúde integral, vivemos em uma sociedade na qual, como mostram os estudos, quase 80% da população morre em virtude de alguma doença crônica, gerada e mantida seja por hábitos errados, seja pelo gerenciamento equivocado de nossas emoções.

“Uma pessoa que diante de qualquer obstáculo sempre se coloca como vítima, como coitada, o sistema endócrino dela responde colocando no corpo os chamados hormônios do estresse, que são especialmente cortisol e adrenalina. Dessa forma, a pessoa vive constantemente no modo de sobrevivência, no qual ela está ali em uma situação em que vai precisar fugir ou lutar para se defender. E nosso corpo não foi programado para se manter nesse estado de estresse continuamente, porque isso fragiliza os sistemas, mina nosso sistema imunológico.

Mas, ao contrário disso, a ciência vem pesquisando que o estado de gratidão se comunica com outra reação química em nosso corpo. Agradecer por tudo o que acontece e pelas mínimas coisas, especialmente pelos desafios, nos deixa em estado de prontidão e em modo criativo. Isso porque a gratidão joga no organismo os neurotransmissores do bem-estar, que são a serotonina e a dopamina, ansiolíticos naturais. Nesse estado de tranquilidade e relaxamento, você pode pensar em soluções, em vez de problemas”, salienta Liimaa.

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Atuando na cidade do Recife e ministrando diversos cursos, como o intitulado Salto Quântico, Liimaa explica também que, do ponto de vista quântico, todo pensamento emite uma onda elétrica. Quando pensamos, os neurônios são conectados através de cargas elétricas, as quais, em movimento, geram campos magnéticos. “Então, toda vez que estamos pensando, nos comportamos de certa forma como antenas de rádio, emitindo sinal eletromagnético em determinada vibração e frequência. Por isso temos a tendência a atrair pessoas que estão na mesma sintonia que a gente.

Mas, em momentos de crise, quando algumas pessoas ficam na frente da televisão só vendo acontecimentos ruins o tempo todo e falando sobre isso, elas vão contaminando o corpo com essa vibração predominante e não conseguem sair desse estado ou mesmo pensar em soluções para os problemas diários. A gratidão é exatamente você treinar o corpo para viver o estado de presença. À medida que trabalhamos a gratidão conscientemente, produzimos bem-estar”, atesta.

É importante ter em mente, igualmente, que quando a gratidão é expressa de maneira sincera ela não só atua em você mas tende a se multiplicar para mais pessoas ao redor. “Se agradeço a você e você recebe esse ato da maneira certa, você aumenta em um grau a sua felicidade pessoal, pois gratidão está diretamente relacionada à felicidade”, enfatiza o antropólogo americano Darrell Champlin, autor dos livros iEu e Portal dos Sonhos.

Além dos genes

Champlin, que vive no Brasil há 30 anos e mora em Santos (SP), onde leciona na Universidade Santa Cecília, chama a atenção para outro tema cuja gratidão em muito se relaciona: epigenética, ou seja, modificações do genoma herdadas pelas próximas gerações, mas sem qualquer alteração da sequência do DNA. Em termos práticos, alguém que nasce e cresce em um ambiente no qual a gratidão permeia a vida de todos tem uma tendência maior de experimentar os efeitos positivos desse sentimento. Da mesma forma, acontecimentos negativos ou traumáticos
também são transmitidos e impactam a vida de uma pessoa mesmo antes de ela nascer. “Está comprovado que três gerações de descendentes daqueles que sofreram os terrores nazistas nos campos de concentração têm 78% mais propensão a ter depressão do que aqueles que não passaram por tal trauma. Como isso pode ter perdurado por tantas gerações?”, questiona Champlin. “Você recebe essas informações por algo que eu poderia chamar de memória ancestral, espiritual, dessa consciência que habita fora do corpo”, acredita o especialista.

Gratidão é amor, compaixão e tolerância, e está mais do que claro que bons atos levarão a
outros bons atos. Além disso, seu exercício promove efeitos bioquímicos benéficos para todos – e não só pra gente mesmo. Mas, ainda assim, caso você, leitor, tenha dificuldade de se conectar com o ato de graça com todas as coisas, Champlin estimula a prática da meditação, seja de qual tipo for, para abrir esse espaço interno e fazer a conexão. “É demonstrado cientificamente que os efeitos da meditação no corpo vão muito além do relaxamento e geram em qualquer pessoa uma ampliação da tolerância, da compaixão e, por causa disso, a ampliação também da gratidão”, diz.

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Como sugestão também, quanto mais se estiver em um ambiente rodeado por pessoas positivas, mais provável que se ativem no cérebro as mesmas redes neurais da positividade. Portanto, é imprescindível que a gente esteja sempre em busca de bons livros, boas músicas, boas notícias, influenciando assim nosso ser e como nossa genética se expressa. “Só no fortalecimento do novo você pode construir uma nova personalidade e uma diferente realidade pessoal”, reforça Wallace Liimaa.

Olhar para todos os lados de uma situação e enxergar a graça no que não era visível antes também se mostra fundamental. A educadora Carolina Bergier conta, por exemplo, que recentemente, conversando com amigas, ela falava sobre uma questão muito desafiadora em sua vida, com a qual não sabia lidar direito. E foi em meio à conversa que ela notou que deveria ver um outro lado da questão. “Percebi que havia outros caminhos e ângulos de olhar para aquela falta que estava sentindo e que já existia algo naquela situação que estava completo. E, quando consegui perceber o que estava completo, ver que a vida estava perfeita e entrar nesse estado de gratidão, soube com mais amorosidade lidar com aquela questão e assim celebrar.”

E como o neurologista Oliver Sacks escreveu no ensaio Shabat, o último texto de sua obra Gratidão, e publicado poucas semanas antes de morrer, com a gratidão podemos “alcançar a sensação de paz dentro de nós mesmos”. Que a gente siga, então, sendo grato.

Gustavo Ranieri é jornalista e expressa gratidão pela sua família, pelo convite para escrever esta reportagem e pelo que aprendeu com ela.

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