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Você perde horas em distrações e hábitos inúteis?
Paula Guerreiro | Unsplash Crédito: Paula Guerreiro | Unsplash ampulheta-em-frente-ao-mar
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A principal angústia moderna é saber que o tempo nos escorre pelas mãos e não estamos fazendo nada que seja realmente importante. 

Sempre pensei que, na vida, a ética estava acima de tudo. O fazer o que é certo e justo, o olhar atento para os limites do bem e do mal… Dito de outra forma, pensava que a vida boa é a do asceta. Aquele que se cultiva, que vive num constante ajuste de contas consigo mesmo. Julgava que essa era a nossa missão maior. E não só na vida, mas também dentro da filosofia. Na minha vivência acadêmica, lamentei que alunos brilhantes defendessem suas teses em estética. Achava um desperdício.

Não acho mais… Nos últimos tempos, tenho conhecido um número enorme de pessoas sem dimensão estética. Trata-se de pessoas funcionais, sem interesses, reflexões, paixões. Apenas cumprem ordens e tarefas. Por isso, só agora, na falta, no momento em que ela escasseia, é que noto a sua extrema importância. Uma pessoa sem dimensão estética é um autômato. Nessa condição, a ética é inútil. A ética não alcança os autômatos.

Dois lados da vida

Tenho consciência de que a estética é um conceito muito abstrato, mas vou tentar ser mais clara. Eu aqui não falo das teorias do que é o belo, mas do fenômeno estético nas suas várias superfícies. Se você reparar bem, travamos contato com as dimensões ética e estética desde cedo. Quem nunca ouviu o pai ou a mãe falar “O que você fez foi muito feio?” Isso para mostrar a diferença entre a conduta certa e a errada.

Essas duas dimensões fazem parte da nossa educação porque não nascemos com elas. Ambas precisam ser aprendidas. Elas dependem do nosso aprendizado na família, na sociedade e na cultura a qual pertencemos. 

O esteta é um fútil?

Habituamo-nos a pensar que de um lado — e na liderança — está a ética com os seus valores e os seus deveres. Do outro lado, está a estética com as suas sensações agradáveis, a beleza e os prazeres fúteis que precisam ser contidos. Em parte, essa visão negativa vem de exemplos extremos de pessoas que viveram apenas para os vícios e para os excessos. 

O que ocorre é que hoje caminhamos para o extremo oposto: a ausência de estetas. Você pode achar estranho porque há uma espécie de consenso de que vivemos numa sociedade hedonista. Todos estão em busca de sensações e novas experiências em aplicativos de encontros, em festas. Em todos os meios e maneiras. Há uma dependência febril e uma conexão permanente com as redes sociais.

E aqui o grande equívoco. O homem contemporâneo, envolvido em múltiplas tarefas, afogado em rotinas e hiperconectado, está longe do hedonismo. Ele está muito próximo do autômato e a quilômetros do esteta.

Dedicação e estudo

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“A experiência de desfrutar da natureza exige tempo e disponibilidade mental”.   Crédito: Tamara- Garcevic | Unsplash

Na verdade, o hedonismo, a formação do esteta são empreendimentos culturais duríssimos. Porque ninguém pode usufruir da experiência estética sem cultura, sem estudo, sem investimento. Um exemplo? O vinho. Os apreciadores de vinhos sabem que esse gosto não existe se não se construir uma cultura ao seu redor. É preciso conhecer as castas, o terroir, participar em degustações. É preciso algum esforço.

O cultivo da dimensão estética — e mesmo do hedonismo — é um projeto de atenção, de dedicação ao mundo. É um exercício que envolve pessoas estudiosas e reflexivas. E é preciso tempo e disponibilidade mental. Desfrutar dos benefícios da  natureza é outro exemplo. É preciso um investimento de tempo e uma disponibilidade mental. Precisamos escolher o local, reservar tempo para as caminhadas e se entregar à experiência.    

Distraídas e “ocupadas”

E o que temos? O que temos hoje são pessoas DISTRAÍDAS. Divagam nas redes sociais, tem a cabeça preenchida por ruídos constantes. São quase autômatos, vão para o trabalho, cumprem funções e, nas horas vagas, passam de uma tela para outra: do celular para o computador, do ipad para a televisão. E, em pequenos intervalos, encaixam as necessidades físicas, como o alimento e o sexo.

Hoje somos muito pouco hedonistas. Somos muito mais autômatos do que estetas. E aqueles que estranham o termo “autômato” por associar a cyborgs ou humanos com chips estão enganados. Essa sofisticada tecnologia é desnecessária. Quem, hoje, esquece o telefone em casa ou passa as férias sem wi-fi? E aqui o problema: ninguém é hedonista com um celular na mão.

Vigie o futuro

Ok. Essa pode ser apenas mais uma crítica minha a nossa realidade imediata. À parte isso, os otimistas podem dizer que depois dos excessos, há sempre um retrocesso, onde o equilíbrio é restabelecido. Tudo ficará bem.  Pode ser verdade. O problema é que essa realidade distraída e alienada também contempla as crianças e os adolescentes. Portanto, compromete o futuro. Com uma falha geracional, talvez o reequilibro possa demorar.

Com isso, não pretendo verter água no moinho dos pessimistas. É apenas um alerta para corrigirmos a rota. Ainda dá tempo. Ainda há tempo para os adultos se corrigirem e corrigirem as crianças.

Dever e prazer

Precisamos cultivar e zelar pelas nossas dimensões ética e a estética. Precisamos cumprir deveres — fazer o que é certo. Mas precisamos educar os sentidos, cultivar o gosto e apreciar a beleza da vida.

Felizmente, há muitos que ainda conseguem olhar para dentro de si e enxergar o extremo deserto que o habita. Há ainda quem feche um livro em estado de êxtase. Há ainda quem acorde para ver o nascer do sol. Quem ainda consegue desfrutar da natureza.

Há ainda quem consiga contactar o sublime, desfrutar da natureza, olhar para o horizonte e contemplar a grandiosidade do mundo. E assim, na estética — na dimensão mais ampla da existência —  olhamos para nós mesmos, estendemos o nosso olhar para o mundo e encontramos o nosso lugar nele.


Margot Cardoso (@margotcardosoé jornalista, pós-graduada em Ética, mestre em Filosofia e todos os dias busca equilíbrar as dimensões éticas e estéticas da vida.  

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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