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Uma carta sobre amizade em tempos digitais
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Quando foi que a amizade tomou essa direção? Quando passamos a nos importar mais em contar amigos do que contar com amigos? Dá para chamar toda essa gente de amigo de fé, irmão, camarada?

Roberto, quero começar esta carta conversando com você. Eu admiro seu trabalho e suas músicas. Aprendi a gostar a cada novo vinil que minha mãe comprava. A cada especial de fim de ano. E apesar de no musical que conta a história do Tim Maia, ter ficado com um pé atrás, continuo gostando do jeito que você canta a vida e fala de romantismo num tempo que faltam românticos. Entretanto, Roberto, ao pensar no dia do amigo – comemorado em 18 de abril – eu me lembrei que não concordo muito com a letra de uma música sua. Você diz querer apenas, mas ao mesmo tempo deseja ter um milhão de amigos.

Quando você e Erasmo compuseram essa canção, em 1974, não imaginavam que hoje o que muita gente quer é ter mesmo um milhão de amigos. A Juliette, Roberto, já tem mais de vinte milhões, que ela nem sabe que fez em menos de 100 dias. E tem muitas pessoas por aqui querendo alcançar esse número. Mas o que me inquieta é tentar entender em que momento as nossas relações de amizade tomaram essa direção, em que passamos a nos importar mais em contar amigos do que contar com amigos. Porque não dá pra chamar toda essa gente de amigo de fé, irmão, camarada, né?

Não há distância

Sabe o Bituca? Sim, o Milton. Gosto quando ele fala de amigo no singular e de um jeito tão intimo. Que se entristece com a partida de um amigo e de uma amizade que não se desfaz, nem pelo tempo, nem pela distância, nem pelas circunstâncias da vida. Porque quando a gente reencontra amigos assim, é como se nunca tivesse se separado. Cecília Meireles tem razão, ao menos para mim, ao dizer que mesmo indo para outros lados, é certo que os amo. E que nem sempre quem está por perto é a nossa melhor companhia.

amizade no digital

Nós nos conectamos com tanta gente nos dias de hoje e ao mesmo tempo nunca nos sentimos tão sozinhos. É verdade, Roberto. Uma pesquisa recente mostrou que o povo brasileiro é o que mais se sente solitário em todo o mundo. A cada duas pessoas que você conhece, uma diz sentir solidão muitas vezes, frequentemente ou sempre. Boa parte dessas pessoas revela que o sentimento cresceu muito nos últimos meses, justamente no momento em que cessaram os encontros presenciais e passamos a nos relacionar mais através do mundo digital.

Vou agora passar a criticar a tecnologia? Não vou. Foi ela que tantas vezes nos aproximou na história. Ou cartas, telefones, aviões e videoconferências não encurtaram as nossas distâncias e nos trouxeram para perto as amizades que se encontravam distantes? Para mim, é como canta Gil ao divagar pela internet e falar sobre o barco que veleje pelo informar. Nosso barco se afasta dos outros quando o destino não é o mesmo. Corrijo-me: quando escolhemos estar perto, fazer parte e escrever uma história juntos, é menos sobre o destino e mais sobre a companhia.

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Na letra da sua música você também fala de barco, de vento forte que te leve no rumo norte. Mas eu sei que ali apesar da direção, você também se preocupa com a questão da companhia, porque quer ter com quem dividir os peixes que no caminho pescar. E é isso, Roberto. É isso. Eu não quero um milhão de amigos, mas como você, quero ter com quem dividir alegrias, tristezas, percursos e conquistas com quem comigo está.

Perdoe-me se esta carta de início te pareceu uma crítica fora do tempo e do lugar. Amigos tem liberdade para nos criticar, certo? Mas a gente nem é amigo e tem intimidade para isso. Você é ídolo e inspiração, inclusive para nos fazer pensar sobre a importância de uma bela e longa amizade. Feliz dia do amigo, para você, para o Erasmo e para todas as pessoas que tem o prazer de desfrutar da sua amizade.


Tiago Belotte é fundador e curador de conhecimento no CoolHow – laboratório de educação corporativa que auxilia pessoas e negócios a se conectarem com as novas habilidades da Nova Economia. É também professor de pesquisa e análise de tendências na PUC Minas  e no Uni-BH. Seu Instagram é @tiago_belotte. Escreve nesta coluna semanalmente, aos sábados.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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