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Uma atitude mágica para gerar conexão
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Em sua coluna, Rodrigo Vergara nos convida a olhar as nossas conexões com as pessoas como vínculos que permitem o nosso florescimento enquanto espécie. Através da jornada de um amigo, ele compartilha conosco um precioso conselho para quem busca estreitar seus laços de ajuda e de pertencimento.

Edgard é um apaixonado por pessoas e um estudioso das relações humanas. Uma das coisas que sempre o intrigou foi como o poder e o dinheiro afetam as interações. E ele decidiu fazer uma experiência pessoal. Em uma viagem pelo sudeste asiático, ele picotou com uma tesoura seu cartão de crédito e jogou os pedacinhos de plástico no lixo.

Naquele momento, ele decretou irreversivelmente que não poderia utilizar recursos financeiros próprios para cruzar as centenas de quilômetros de zona rural que o separavam do aeroporto de Bangkok, de onde seu voo de volta partiria em alguns dias.

Sem acesso a esse código praticamente universal de poder e autonomia, que é o dinheiro, Edgard se viu dependente da ajuda de outras pessoas.

E o que ele aprendeu naqueles dias teve um grande efeito sobre ele. E sobre mim, quando ele me contou essa história.

As vantagens de ser aceito

Não sei se você já percebeu, mas não há macacos vivendo sozinhos na natureza. Uma exceção honrosa (e relativa) a essa regra são os orangotangos, que têm famílias menores e não vivem em grandes bandos. Mas tampouco vivem sós.

No mais, a macacada vive em bandos. O conhecimento que temos sobre o processo evolutivo nos permite deduzir o que aconteceu: os primatas geneticamente mais propensos a viver em grupo tiveram vantagem competitiva em relação aos que viviam isolados. Procriaram mais, cuidaram melhor de suas crias e deixaram mais descendentes. Tornaram-se prevalentes em relação aos mais arredios, que desapareceram.

O convívio em grupo teve consequências até físicas para os primatas, pois tornou obsoleto um arsenal de ferramentas indispensáveis para espécies que vivem mais solitárias: garras, visão lateral, audição aguçada e direcionável. Hoje, mesmo os mais solitários orangotangos têm unhas, não as garras retráteis como as dos felinos, que passam boa parte de sua vida adulta desacompanhados.

A ausência de armas naturais, aliás, reforça a tendência à proximidade. É mais fácil relaxar na sua presença se eu souber que, se ficar irritado comigo, você não vai arrancar meu braço com uma mordida.

Exclusão é morte

Se você, como eu, acredita nas teorias de Charles Darwin, concordará que somos descendentes dessa linhagem de macacos cuja maior qualidade adaptativa é a capacidade de cooperar em grupo e, assim, suprir as limitações individuais.

Em outras palavras, somos geneticamente desenhados para viver em grupo, para pertencer. Para um humano, ser excluído quase equivale a uma ameaça de morte. Nosso corpo é programado para reagir à altura desse perigo.

Rejeições disparam todos os sistemas de alerta e tendemos a fazer de tudo pela aceitação.

Ao ler o parágrafo acima, talvez você se lembre, assim como eu, de situações humilhantes a que se submeteu para ser aceito por alguém ou algum grupo. Se sim, culpe seus tatatataravós que, pendurados nas árvores, não foram capazes de dar uma banana a essa rejeição. Um tigre ou um urso não se rebaixariam assim.

Nós contra os outros

Mas há nuanças importantes a essa carência por pertencimento. Uma delas é que nosso DNA é o mesmo dos caçadores-coletores que viviam na savana. Não há nenhuma razão para que o apelo ao pertencimento inscrito nos genes desses humanos se estendesse para além do seu grupo familiar. Se é verdade que somos geneticamente programados para pertencer, essa programação tem limites bem próximos. Para nosso avô aborígene, a família do vizinho talvez fosse inimiga e merecesse hostilidade.

Portanto, não é natural que, quando me vejo cercado de indivíduos estranhos, ainda que da mesma espécie, eu relaxe e me sinta parte. É mais provável que eu me sinta ameaçado e procure mostrar-me maior, mais potente e mais dominante. É claro que a informação genética não é a única herança de que dispomos.

A herança cultural transmitida é imensa e se sobrepõe aos genes, tornando essa narrativa muito mais complexa. Assim, minha reação a um grupo estranho vai depender de inúmeros códigos culturais. Um grupo de pessoas com uniformes do time adversário ao meu parecerão mais ameaçadores só pela cor e pelas estampas de suas roupas, por exemplo.

O que importa aqui, como linha geral, é que temos uma propensão natural, vital, a pertencer. Mas também temos propensão a assumir posturas de defesa diante de grupos humanos, quando consideramos que não pertencemos a eles.

A postura de vulnerabilidade

Há um traço importante que eu não mencionei: Edgard é um homem de 2 metros de altura, ex-atleta profissional de vôlei. É impossível não notar sua presença física imponente, ainda mais na Tailândia, cuja população masculina tem estatura média de 1,67m.

Para obter a ajuda de que precisava, Edgard descobriu que precisava se mostrar vulnerável, desprotegido, dependente de ajuda.

Viu, nesse processo, que precisaria compensar a aparente suficiência e ameaça que seu corpo representava. Aprendeu que, se ficasse tentando disfarçar sua condição, envergonhado de sua decisão brincalhona com o cartão de crédito, ele nem sequer conseguiria estabelecer conexões, quanto mais obter ajuda.

Por outro lado, também aprendeu que, se assumisse ares de um turista alto que está em perfeito controle de sua vida, pouca gente se aproximaria dele, mesmo aqueles curiosos, porque não gostariam de atrapalhar suas férias, talvez. Sempre que ele se fechava, ficava só.

A grande descoberta veio ao perceber que, quando erguia o olhar, procurava por alguém e sorria, as pessoas se aproximavam, estabeleciam contato e, ao saber de sua condição, o ajudavam.

Resumo da história: Edgard chegou ao seu destino bem alimentado, bem conduzido e fez amizades que duram até hoje.

Edgard foi ajudado porque passou a pertencer ao grupo daquelas pessoas.

“Você pode conversar comigo?”

Inspirado por Edgard, desenhei minha própria estratégia para enfrentar um dos meus maiores medos: ir a eventos onde não conheço ninguém. Durante anos, evitei essa situação para não parecer inadequado. Quando não havia jeito, procurava me manter ocupado, ao telefone ou com um livro, para não parecer deslocado, sem amigos, não pertencente.

Depois da história de Edgard, mudei de atitude. Hoje, quando num evento vejo um grupo de pessoas com quem quero interagir, mesmo que não conheça ninguém, sou capaz de chegar até eles e dizer: “Olá, não conheço ninguém aqui, vocês podem conversar comigo?” Nunca ninguém me disse não.

Tenho que dar razão aos meus tatatatatataravós. Pertencer é muito mais legal.

Leia todos os textos da coluna de Rodrigo Vergara em Vida Simples


RODRIGO VERGARA pensa, titubeia, sente, sofre, ri e chora, o tempo todo. Essa verdade é mais relevante do que qualquer caixinha que tente descrevê-lo.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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