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Um papo sobre homofobia, carros e “coisas de homem”
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Luiz Eduardo Alcantara, um dos guardiões do projeto Brotherhood, aborda na coluna deste mês um assunto que tomou conta dos holofotes por mostrar uma das piores atitudes que uma pessoa pode ter: o comportamento homofóbico. O caso, infelizmente não isolado no cenário brasileiro, motivou as reflexões de Luiz sobre a relação dos homens com os automóveis e a expressão tóxica da masculinidade.

Recentemente, uma repercussão de uma propaganda do carro Polo me surpreendeu. Em maio, circulou um vídeo em que o automóvel era divulgado por um casal de homens homossexuais. Quando soube, achei uma iniciativa importante da marca, mas muitos não viram da mesma forma.

Essa é a segunda vez que a campanha comercial é feita e, mesmo assim, diversos memes homofóbicos surgiram, homens gravaram vídeos colando adesivos alterando o nome dos seus carros e, o que é pior, os homens que participam da propaganda e seus familiares foram agredidos. Até um boicote à marca foi organizado, mas fracassou, pois a procura pelo carro aumentou e os preços dos seminovos subiram.

Minha paixão por carros

Eu sempre quis ter um Polo. “Sempre”, provavelmente, é uma palavra exagerada. O fato é que, desde pequeno eu gosto de carros. Minha família diz que eu sabia identificar os nomes dos carros que passavam pela rua quando tinha idade para andar neles apenas na cadeirinha. Tudo bem que no início dos anos 90 não havia tantos modelos e marcas como há hoje, mas, ainda assim, parece que eu surpreendia muitos adultos.

Mesmo tendo muitas miniaturas dos carros mais velozes e luxuosos, quando cresci e já tinha idade de pensar em um dia ter um carro, lembro apenas do meu desejo de um dia poder ter um Polo. Com trinta anos eu realizei meu sonho e adquiri o Polo que tanto desejei. Já faz alguns anos que eu tenho o carro e não penso em trocá-lo.

PARA SABER MAIS:

– Cuidar é também coisa de homem

– Homens que sentem muito

– Como se posicionar diante do machismo dos amigos?

“Meninos gostam de carrinhos e meninas de bonecas”

Não deve ser novidade para ninguém que gostar de carros e de velocidade está na caixinha do que é “ser homem” para a masculinidade hegemônica.

Muitos meninos ganham carrinhos quando pequenos e há inúmeros desenhos animados, games e filmes que reforçam essa associação entre homens, carros, velocidade e, claro, comportamentos de risco. Isso sem falar nas “piadas” machistas sobre as mulheres supostamente dirigirem mal. Um dos resultados disso é que os homens se envolvem mais em acidentes de trânsito e, nos acidentes fatais, somos as principais vítimas, chegando a 80% ou 90% dessas mortes, segundo levantamentos feitos em estados como Rio de Janeiro e São Paulo.

Eu, como menino heterossexual, não fui exceção a essa influência e gostava de carros quando pequeno. No entanto, sempre me incomodou o comportamento muitas vezes imprudente do meu pai ao volante, que dirigia de forma agressiva, aproveitando qualquer oportunidade para acelerar como se as ruas fossem cenários de uma corrida que valesse a sua vida — ainda que ele só estivesse levando a família de volta para casa após um almoço fora de casa.

Entre outras coisas, acredito que o medo que eu e minha irmã sentíamos me influenciou a não desejar carros super velozes. E, ainda que eu gostasse de corridas de carro, acreditava que elas deveriam ser reservadas para competições devidamente organizadas e não acontecer a qualquer momento e em qualquer rodovia ou avenida do país.

Homens homofóbicos e o monitoramento da masculinidade

Também não deve ser novidade para ninguém que, para a masculinidade hegemônica, os gays são considerados como uma dupla ameaça, pois são vistos como tendo uma sexualidade “anormal” e como pessoas que podem “seduzir” dentro do seu próprio gênero.

Na nossa sociedade, a masculinidade nunca está suficientemente provada, pois para ser homem deve-se mostrar a todo momento que se segue a cartilha prescrita. Os homens heterossexuais se veem presos a uma luta contra masculinidades que os veem como inferiores para se provarem a todo momento. Isso culmina em violência homofóbica e também acaba sujeitando os homens a esse fardo constante de monitoramento da própria masculinidade.

É necessário que abandonemos a masculinidade obrigatória. Tanto para que mulheres e masculinidades vistas como inferiores possam ser quem desejarem ser, quanto para que os homens possam ser livres de constantes provações e da fragilidade de se ver ameaçado porque seu suposto reduto masculino está sendo compartilhado com outras pessoas.

Se você for um homem heterossexual, como se sentiria se o carro que possui fosse objeto de uma propaganda com um casal gay? Se você for homossexual, como se sentiu ao ver a propaganda?

Leia todos os textos da coluna Brotherhood em Vida Simples.


LUIZ EDUARDO ALCANTARA (@lendalcantara) atua na área da justiça, é um dos guardiões do Brotherhood Brasil (@brotherhoodbrasil) e um curioso sobre os papéis dos homens na sociedade.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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