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Salvar o mundo, salvar a si mesmo
Sylvie Tittel | Unsplash
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Não podemos continuar fazendo as mesmas coisas que colocam em risco nossa sobrevivência no planeta Terra. Cuidar do mundo pode ser, também, cuidar da gente

Se você sente desamparo quando o assunto é meio ambiente e futuro, você não está só. Enquanto escrevo essa coluna, florestas estão sendo devastadas pelo fogo e pela pecuária, o desequilíbrio da população de alguns insetos causa alerta e a projeção é de que nos próximos anos milhares de pessoas precisarão procurar refúgio fora de seus territórios por causa do aumento do nível do mar. Acompanhando essa crise evidente, me parece possível apontar uma outra crise, menos visível mas igualmente sórdida. Uma crise ligada à saúde mental.

O futuro sem ação é apavorante – o planeta é quente, estamos em guerra, tentamos viver com menos biodiversidade. Diante do temor, vejo três reações possíveis: o impulso para agir e tentar interferir nesse cenário, a dessensibilização que vem da crença de que é um outro que precisa tomar conta disso, ou a apatia resultante da perda total da esperança de uma reversão dessa situação.

Essa falta de perspectiva grave atinge quem é tocado diariamente por notícias desesperadoras como a autorização recorde de novos agrotóxicos, a desmoralização dos dados científicos sobre desmatamento, a inversão de valores nas políticas ambientais e a continuidade cega dos investimentos em extração de petróleo e mineração. Uma angústia acentuada pelo fato de que nós nos demos conta de que a catástrofe climática está muito próxima; deixou de ser algo que vai impactar as gerações futuras para ser algo que já afeta a nossa geração.

É sintomático que até o vocabulário que usamos para definir essa dor coletiva é o mesmo no mundo todo. No português da jornalista e escritora Eliane Brum, no inglês do movimento Extinction Rebellion ou no sueco da jovem ativista Greta Thunberg, encontro as mesmas palavras: paralisia, afundamento, angústia, desesperança.

Causas para o desastre vêm de todos os lados, são comuns a todas as atividades humanas. Elas são ignoradas por quase todos os governos e muitas vezes também pela sociedade civil. Mas não é disso que eu quero falar hoje. Falar de causas é falar do que não podemos mudar, porque já são fatos consumados. Precisamos discutir, como em uma terapia de grupo, sobre como viver em uma nova realidade e de como encontrar forças.

Falar sobre isso pode parecer um grande privilégio reservado a quem não tem que lutar pela sobrevivência diária, mas a verdade é que o colapso ambiental vai atingir a todos. Li em uma matéria recente do Le Monde que essa angústia é um medo generalizado, um pouco inédito, que aparece por exemplo diante de ações terroristas ou grandes tragédias ambientais. Ela tem acometido todos os habitantes da Terra, porque estamos sujeitos ao mesmo fim. Para os historicamente mais vulneráveis as consequências chegarão primeiro; um planeta mais quente deve acentuar crises políticas e humanitárias. Não há para onde escapar e a segurança global é colocada em risco.

Eu me impactei com uma cena, há um ano, quando Nicolas Hulot, ministro da transição ecológica e solidária da França, pediu demissão de seu cargo em uma entrevista ao vivo no rádio. Ele se emocionou falando que “aos poucos a gente se acomoda com a gravidade”, e eu também chorei junto. Eu entendi porque ele estava devastado, porque não podia mais naquelas condições, porque não consegue explicar a indiferença diante dessa tragédia bem anunciada. Ele foi muito humano e visceral em sua fala. E humano tem bom e ruim, tem vontade de agir e tem pânico, tem falhas, tem falta de ar.

Estamos em tensão permanente na nossa relação com o planeta, é normal que a gente se sinta deprimido e ansioso. Nossos horizontes parecem se reduzir tão rapidamente quanto as nossas chances… Acontece de algumas pessoas perderem o sentido do trabalho, da vida cotidiana e das relações sociais. Elas se sentem paralisadas e ficar no sofá acaba parecendo a melhor opção.

Conversei com algumas pessoas e notei que quem tem esse sentimento de falta de controle age mesmo sem a certeza de obter um resultado concreto. Se compromete com a ação porque precisa dela, porque precisa resistir. A ação se torna um imperativo pessoal, derivada do sentimento de responsabilidade, até porque o preço de esperar ter todas as respostas antes de agir é muito alto.

Ainda não achei quem tivesse a resposta certa, mas não podemos continuar fazendo as mesmas coisas que colocam em risco nossa sobrevivência. Eu mesma já ouvi, quando usava minha sacola reutilizável para as compras que a produção de uma “ecobag” de tecido também têm um impacto ambiental e que não dá para saber se é maior ou menor do que o das sacolinhas. O que nós sabemos, no entanto, é que as sacolas plásticas de uso único têm a desagradável tendência de irem parar na natureza, onde se tornam um risco para a fauna. Só isso já deveria ser um bom motivo para fazer a troca. Não ter uma resposta para uma questão não é uma justificativa para não fazer nada.

Estamos aprendendo. Sabemos que muitas das nossas ações ainda favorecem esse sistema, mas agora vamos resistir porque sabemos que algo está errado. Precisamos pensar profundamente nas questões sociais, na distribuição de poder, e em quem não tem a mesma voz que a gente.

Cada indivíduo se identifica com uma luta diferente: alguns militam por uma mudança sistêmica, outros focam seus esforços nas mudanças individuais. Distribuir poder, reformar a posse de terras, desconstruir o patriarcado. Possuir menos coisas, protestar nas ruas pelo clima, sair das cidades, buscar autonomia, deixar de comer animais, comprar alimentos locais. São maneiras importantes e complementares de buscar uma mudança no sistema.

Algumas pessoas que defendem a necessidade de mudanças sistêmicas invalidam a importância das ações individuais, e vice versa. A verdade é que as duas coisas são inseparáveis. É preciso rejeitar o discurso que coloca um contra o outro pela vaidade. A gente não precisa de ações perfeitas, mas de humanos engajados na construção da justiça social que vai levar a justiça ambiental.

Mesmo angustiados, apavorados e indignados, agir é importante nesse momento. A apatia dá força a discursos negacionistas e faz crescer a exploração mundial de pessoas e de recursos naturais. Levantar esse tema, ao contrário, contagia o outro, ajuda a criar um senso de comunidade, mostra que não estamos e nem precisamos estar sozinhos e dar conta de tudo. A própria luta pela mudança é uma maneira de ajudar a si mesmo a aliviar a  angústia. Não temos que absorver uma culpa individual. Ninguém precisa carregar esse peso sozinho.

Fê Canna coloca atenção em suas escolhas como forma de resistir ao que percebe de errado no mundo. Acredita que com um olhar atento é possível fazer escolhas mais cuidadosas com a natureza, as outras pessoas e nós mesmos. Escreve mensalmente no Portal Vida Simples e seu site é www.fecanna.com

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