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Sabores puros
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Experimentar um alimento em seu estado mais natural ou original, sem misturas, é um aprendizado para o bem cozinhar e para o bem viver

Dias desses assisti ao ótimo Viver Duas Vezes – disponível no Netflix. Não é um filme sobre comida, mas sobre a vida. O envelhecer, o amor e o que segue com a gente, independentemente das obviedades. Nele, Emilio, o personagem principal, um professor universitário de matemática, aposentado, tem o hábito de todas as manhãs ir até um café próximo de sua casa e pedir pão com tomate. Mas o pão precisava vir separado das fatias de tomates. Por que? “Gosto de sentir o gosto puro de cada um dos alimentos”, justifica ele.

Fiquei pensando nessa frase: sentir o gosto puro do alimento. A maior parte dos pratos que preparamos são misturas. Mas para que elas combinem e tragam um delicioso equilíbrio juntas, precisamos conhecer o sabor de cada uma delas, individualmente. Porém, a verdade, é que muitas vezes pulamos essa etapa.

Ácido

Sempre me encantei com a coragem das crianças em experimentar a pureza de frutas e verduras, quando pequeninos. Lembro do meu filho Lucas, quando estava com dois ou três anos de idade, colocando um limão na boca, chupando os gomos para, logo depois, espremer os olhos ao perceber o azedo e o ácido da fruta invadir sua língua. Naquele dia, Lucas aprendeu o que o ácido provoca dentro da gente.

sabores puros

Crédito: Mockup Graphics | Unsplash

Dessa maneira se, algum dia, alguém lhe disser que um prato precisa de um pouco mais de acidez ele saberá o que isso significa – para o prato e em nós. Da mesma forma, me recordo do entusiasmo da minha filha Clara ao provar, pela primeira vez, uma manga recém-colhida. Ao lado do pé, ainda sob a sombra da árvore, descascamos com os dentes a casca e nos lambuzamos ao devorar a polpa da fruta, doce, amarelada e suculenta. “Manga é bom, né, mãe?”. É sim.

Doce

Provavelmente ela não saberia se a manga a agradava, de fato, se ela tivesse conhecida a fruta apenas como o nome que acompanhava a palavra chutney, mousse ou como mais um ingrediente da salada. Interessante mesmo foi o dia em que Clara me pediu para comprar cacau. Ela queria saber se aquela fruta amarelada, de interior esbranquiçado e pegajoso, lembrava, de alguma forma, o sabor chocolate que ela devorava com facilidade.

Levei o cacau para casa e foi uma decepção: “não lembra em nada o chocolate”, sentenciou. Não, não se parece, mas isso acontece por conta de muitos outros ingredientes que vão camuflando, escondendo o sabor original das coisas. Disse a ela que seria importante provar um chocolate menos doce e assim entender como a fruta se transforma na barra de chocolate.

sabores

Sabores

Observar, experimentar, e se dispor a entender a pureza de um alimento é mais do que fazer um mergulho profundo nos sabores. Muitas vezes, para perceber o todo, precisamos observar as partes. Na vida também não é assim? Nem tudo é apenas sobre o que vemos, sobre aquilo que se apresenta a nossa frente.

Existe sempre um caminho percorrido para chegar até ali. E entender e respeitar isso evita muitos desentendimentos e equívocos ao longo da nossa jornada. Que a gente aprenda, como diria o personagem Emilio, a saborear os alimentos em sua pureza. Para, então, apreciar o todo com muito mais presença e profundidade.


ANA HOLANDA é diretora de conteúdo da Vida Simples, autora dos livros Minha Mãe Fazia e Como se Encontrar na Escrita, ambos da Rocco. Gosta de cozinhar e de escrever, sua maneira de estar no mundo e de lidar com seus sentimentos mais profundos. Escreve mensalmente nesta coluna.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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