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Quem está ditando a sua vida?
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Decisões pautadas a partir do outro têm um efeito confortável para a caminhada cheia de riscos que a rotina nos apresenta. Mas o custo disso pode ser o de não viver o que clama seu coração

18 anos. Até hoje não entendo por que nos fazem tomar uma decisão tão cedo. Eu havia acabado de sair da escola e não tinha a menor ideia do que queria fazer “para o resto da vida”.

Decidi seguir pela medicina porque era uma opção quase natural. Meu pai, Paulo, trabalhou como médico por mais de cinco décadas. Era apaixonado por aquilo. E isso me encantava: a paixão, o cuidado com as pessoas. Como não passei no vestibular de medicina logo após o término da escola, fui para o cursinho pré-vestibular. Lá, comecei a me questionar. E decidi pelo jornalismo.

Eu queria escrever, contar histórias. Admirava demais meu pai, mas não queria seguir o mesmo caminho que ele.

Minha família entrou em crise com a decisão. Meu pai ficou perplexo, minha mãe, inconformada. Tentaram me dissuadir com justificativas vazias.

Aquele papel da filha-patinho-feio me incomodava. Sempre fui a que aceitava tudo. Doce, carinhosa, companheira. Ir contra as regras, vontades e desejos dos meus pais era um lugar de muito, mas muito desconforto. Mas algo maior gritava dentro de mim: essa é a sua vida.

Sim, aquela era a minha vida e ninguém a percorreria por mim, a não ser eu mesma.

Uma menina com medo

19 anos. Essa era a idade que tinha quando banquei minha escolha. Por conta dessa decisão, amarguei alguns anos difíceis na convivência familiar.

Sair da trilha que construíram para você e escolher a própria demanda pés calejados, algo que não se tem aos 19.

Foi doído. Muitas vezes peguei minha mãe falando com orgulho da irmã mais velha que estudava medicina. Eu não era citada na conversa. Algumas vezes, engoli a seco a frase: você não vai ser nada na vida. Ou a pergunta: como vai se sustentar? Não sabia como rebater. Tinha apenas um coração cheio de fé em mim mesma. Mas, a verdade, é que lá no fundo havia uma menina com muito medo. Do fracasso.

Desafios que nos fortalecem

Consegui me sustentar, comprar o primeiro apartamento, ter um carro, viajar para lugares próximos, me divertir. Tudo com a escrita. O melhor: sempre fui feliz e sabia disso. Depois veio a escrita afetuosa, o TEDx, os cursos, as viagens pelo país ensinando, os livros.

47 anos. Tiago Belotte (que é colunista aqui na Vida Simples também), amigo e grande incentivador do meu trabalho, me provocou para lançar um curso online.

“Não vai dar certo. O curso necessita de um olho no olho”, eu dizia. E ele insistia: “Ana, está na hora de você dar esse passo”.

Minha amizade com Tiago sempre teve essa característica: ele acredita em mim e no meu trabalho muito mais do que eu mesma. Está constantemente alguns passos a frente. Na nossa relação, sou sempre o freio e ele, o acelerador.

“Dou todo o suporte. A parte da tecnologia e da estratégia ficam comigo. Você tem que ensinar, montar o curso, gravar”, disse. Tiago não fazia ideia, mas minha maior dificuldade era convencer a menina assustada que morava dentro de mim. Aquela que ouvia a conversa dos pais com nó na garganta, a que seria um fracasso. Eu não sabia o que fazer.

Lembro que, naquele momento, meu casamento dava os últimos suspiros. Boa parte do tempo, me sentia sozinha.

Foi quando olhei para a menina que me habita e cravei: vamos tentar?

O curso foi gravado em setembro de 2019. E programado para ser lançado em março de 2020. E assim aconteceu.

Os frutos de nossas escolhas

49 anos. Neste tempo, descasei, me refiz, vi meus filhos entristecerem pelas ausências – do pai, dos colegas da escola, da rotina –  e assisti o envelhecimento ainda mais acelerado dos meus pais.

Acompanhei o sofrimento de muitas pessoas por conta da pandemia. Pude ajudar uma parte delas pela escrita – e isso me alegra. Recebi mensagens, quase que diariamente, sobre como a escrita, por meio do curso online, auxiliou um tanto de gente. Chorei com muitos deles. Me emocionei com todos. E, neste março, mais um filho nasceu. Mais um curso gravado, online.

A saber, hoje, meus pais têm um orgulho gigante do que faço. Dias desses, ao contar essa história da briga por declinar da medicina pela escrita, em sala de aula, uma aluna me disse entre lágrimas, ao pé de ouvido: “diga aos seus pais que você se tornou uma médica de almas”. Chorei.

Nas nossas mãos

Às vezes, passamos boa parte da nossa jornada vivendo aquilo que o outro deseja para nós: primeiro nossos pais, depois o chefe e até mesmo o companheiro ou a companheira.

Seguir caminhos prontos, andar guiada pela sombra de alguém pode até ser confortável. Só no início.

Com o passar dos anos, percebemos que o peso das escolhas pautadas a partir do outro pode ser danoso e desconfortável.

Como bem concluiu aquela jovem de 18 anos, que ainda existe aqui dentro: “aquela era a minha vida e ninguém a percorreria por mim, a não ser eu mesma”. A minha, a sua, a de todos nós.

Enquanto escrevia esse texto para você, fitei a menina que mora em mim. Sorrimos uma para outra. É, nós conseguimos.

Leia todos os textos da coluna de Ana Holanda em Vida Simples.


ANA HOLANDA (@anaholandaoficial) é jornalista, escritora, professora e apaixonada pelas palavras. E essencialmente mãe do casal de gêmeos Clara e Lucas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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