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Precisamos dar vazão ao espírito livre que nos habita
Melissa Askew | Unsplash
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A vida é um eterno encontro com as perguntas. O problema é que estamos deixando de fazê-las a nós mesmos, preferindo respostas prontas, e isso nos afasta da chance de nos conectarmos ao nosso espírito livre.

Quando eu era criança, me lembro de ter ouvido alguém dizer que existiam inúmeras civilizações estelares. Esperei o dia virar noite para, dentro de mim, encontrar a resposta. Eu olhei para o céu e lá estavam elas. Pensei comigo: “claro que existem”.

Todos nós temos uma criança dentro de nós que pede para ouvir histórias, que se permite ver o mundo sem condicionamentos, sem rótulos, que se permite enxergar a existência a partir de um fractal divino. Acontece que, com o tempo e a chegada da idade adulta, trocamos essa “anuência mais pura do Ser” por uma condição mais estática de vida e de seus acontecimentos.

Passamos a saltar apenas de uma certeza para outra, deixando escapar o solo sagrado da incerteza, do não saber, da humildade, no qual podem brotar informações genuinamente novas.

Penso que a vida é um eterno encontro com as perguntas. O problema é que estamos deixando de fazê-las pra nós mesmos, preferindo respostas prontas. E pior, abraçamos estas respostas como verdades absolutas e empunhamos escudos para protegê-las.

Ouvir o outro

Sou um profundo admirador da ciência. Fico pensando como seria o mundo atual sem a sua contribuição ao longo do tempo. Difícil achar uma área de nossa vida que não tenha sido impactada positivamente por ela, essa pandemia que o diga. Mas muitas coisas a ciência ainda não alcança. O fato de ela não ter uma resposta para muitas dúvidas que nos cercam, não quer dizer que algo necessariamente precise ser descartado ou cancelado (só para usar um termo da moda).

O que eu quero dizer com isso? Que precisamos deixar viver em nós o espírito livre que nos habita, aquele que sente sem julgar, que prefere não reverenciar a linha no final da conta.

Somos pouco tolerantes com aqueles que preferem habitar o campo da dúvida ou que pensam diferente da gente. E isso acontece em várias áreas da nossa vida. Qualquer informação que desafie medicinas convencionais, estruturas políticas e econômicas etc… é lançada no campo da teoria da conspiração.

Precisamos parar de erguer muros altos em nosso reino. Ouvir outros pontos de vista não equivale a ficar em silêncio sobre os próprios. Ao contrário do que teme o guerrilheiro, humanizar o “adversário” nos torna mais eficazes e não menos aptos a servir aos objetivos que devem, em última análise, nos unir: a cura, a justiça e a paz. Mesmo que se trate de uma luta, seja ela qual for, a pessoa lutará melhor livre de ilusões sobre o inimigo.

Enquanto ficamos no discurso de que “nós somos os mocinhos, eles são os bandidos”, “nós somos racionais, eles são irracionais”, “estamos conscientes, eles estão dormindo”, “somos éticos, eles são corruptos…” deixamos de ver o outro por inteiro, e o que também está em nós. Somos seres em evolução.

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Mesma fórmula

A mentalidade de guerra satura nossa sociedade polarizada, que prevê o progresso como consequência da vitória — vitória sobre um vírus, sobre os ignorantes, sobre a esquerda, sobre a direita, sobre a supremacia branca, sobre os liberais, elites… A lista é grande.

Cada lado usa a mesma fórmula e essa fórmula requer um inimigo. Então, obrigatoriamente, nos dividimos em “nós e eles”, esgotando quase toda a nossa energia em um cabo de guerra infrutífero, sem nunca suspeitar que o verdadeiro poder do mal possa ser a própria fórmula.

A natureza da cerca

Desde que deixei um cargo executivo numa empresa de comunicação na qual atuei também como jornalista político por duas décadas, tenho me permitido olhar para a vida e tudo que nos cerca por outros ângulos. Hoje tenho comigo que, mais do que nunca, precisamos entender a verdadeira natureza de nossos problemas. Ninguém está separado de ninguém.

Recentemente, me deparei com uma pequena história que ilustra bem o que quero dizer e, principalmente, nos dá pistas sobre quais perguntas devemos nos fazer.

Conta-se que certa vez um leão foi capturado e confinado em uma reserva onde, para sua surpresa, encontrou outros leões que já estavam ali havia muito tempo; alguns por toda a vida, porque lá tinham nascido.

O leão recém-chegado logo se familiarizou com as atividades dos outros leões e observou como eram organizados em grupos diferentes. Um grupo se dedicava à socialização, outro aos espetáculos, enquanto outro grupo se preocupava em preservar os costumes, a cultura e a história do tempo em que os leões eram livres.

Havia grupos de igreja e outros imbuídos de talento artístico ou literário. Também havia grupos revolucionários, dedicados a conspirar contra seus captores e contra outros grupos revolucionários. Às vezes, se amotinavam e eliminavam um dos grupos, ou matavam todos os guardas do campo que tinham que ser substituídos por outros guardas.

Contudo, o recém-chegado também notou a presença de um leão que parecia estar sempre adormecido. Ele não pertencia a nenhum grupo e parecia ser indiferente a todos eles. Esse leão parecia suscitar nos outros leões admiração e hostilidade. Um dia, o recém-chegado se aproximou do leão solitário e lhe perguntou a que grupo ele pertencia.

“Não se junte a nenhum grupo” disse o leão, “esses pobres coitados cuidam de tudo menos do essencial”.

“E o que é o essencial?”, perguntou o recém-chegado.

“O essencial é estudar a natureza da cerca”

Somos mais livres do que nos fizeram acreditar. Ao ouvir essa história chego à conclusão também de que o essencial é deixar brotar a nossa natureza mais pura: o amor.

E ele mora no coração da criança que nos habita.

Leia todos os textos de Patrick Santos em Vida Simples.


PATRICK SANTOS (@patricksantos.oficial) é jornalista, escritor e apresentador do podcast 45 Do primeiro tempo que semanalmente traz histórias de pessoas que se reinventaram. Depois do sabático em 2018, tem evitado debates mais profundos sobre temas cujas respostas estão num campo mais sutil. Tem valido mais a penas visitar sua criança interior.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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