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Leon (Unsplash)
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Por mais que eu saiba que perguntar me ajuda mais do que afirmar, a tentação de dar minha opinião vence na maioria das vezes.

A primeira vez que eu percebi foi numa troca de mensagens, num grupo de whatsapp com amigos de longa data. Percebi uma tendência, em mim, de entrar em qualquer discussão que surgia com uma certa firmeza, uma certeza, uma afirmação. Raramente ali eu admitia não saber algo, não entender um assunto, não ter uma opinião formada. Raramente perguntava.

Quando vislumbrei pela primeira vez esse padrão, logo procurei me justificar, lembrando a mim mesmo que, naquele grupo, todo mundo queria se mostrar melhor informado que os outros, donos da melhor opinião, o que era verdade. Afirmar era um jeito de marcar território, para ter voz e ser ouvido em qualquer assunto que aparecesse.

Conforme o tempo passava, fui percebendo outros traços do meu padrão de reação. Notei que, se minha opinião era ignorada, eu sentia um desconforto, uma irritação. Para afugentar os sentimentos desagradáveis, voltava a argumentar. De forma mais incisiva, com cores mais fortes, ideias mais radicais, certezas mais rígidas, menos margem para dúvida ou concessões.

Sem argumentos

A estratégia em geral funcionava. Minha opinião era considerada, alguém retrucava, eu era incluído no debate. Só que, muitas vezes, quando isso acontecia, eu já estava carregando ideias tão fora do comum que às vezes nem eu acreditava tanto nelas. Ou não tinha argumentos ou conhecimento suficiente para defendê-las. O problema passava a ser desembarcar daquelas ideias, sem dar bandeira e perder a credibilidade.

Sinto-me estranho enquanto narro essas atitudes. Porque elas se referem a um processo muito sutil e obscuro, subliminar e quase imperceptível, que opera em geral abaixo do radar da minha consciência. Se, no meio de uma dessas maquinações, alguém me perguntasse em que eu estava pensando, talvez eu não soubesse dizer. Se alguém me narrasse o que eu agora relato, talvez eu negasse, com sinceridade.

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Dumitru Ochievschi (IStock)

Por isso, trazer essas conversas internas à luz do sol, expô-las desta forma, tão explícita, é quase obsceno. Sinto como se estivesse me pintando como alguém que passa horas matutando, tomando notas, desenhando mapas e montando estratégias do que fazer nas minhas guerras particulares — sim, porque não é só no grupo de whatsapp com os amigos que isso acontece, eu vim a descobrir.

Mas não é assim que acontece, pelo menos comigo. É mais como uma daquelas geladeiras antigas que fazem um ruído alto e contínuo, que você só nota quando finalmente o termostato alcança a temperatura desejada. O motor pára com um estalo e o ruído cessa. Só aí a gente se dá conta, com um alívio, da irritação que estava sentindo debaixo daquele zumbido.

Processo interno

É meio assim que operam essas articulações maquiavélicas na minha cabeça. Como carpas limosas e escorregadias, movendo-se nas águas turvas, sob a superfície espelhada do meu ego consciente. Esse Rodrigo que eu ostento por aí, para cima e para baixo.

Às vezes, uma dessas artimanhas faz um movimento menos hábil e acaba revelando sua localização, por um redemoinho, uma turbulência no espelho. É quando eu tenho a chance de notá-la, apanhá-la e examiná-la. Como qualquer pescador sabe, tirar o peixe da água guarda sempre uma alegria, uma surpresa e uma boa história para contar.

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Brian Yurasits (Unsplash)

O último padrão que eu me lembro de fisgar foi em uma conversa recente com uma amiga. No meio do papo, de repente me peguei em uma afirmação cabal sobre um assunto do qual eu não sabia nada de nada. Notei, um tanto surpreso e envergonhado, que eu não tinha nenhuma informação confiável para amparar minha afirmação peremptória. E eu sabia disso.

Minha sorte foi que, ao dizer a frase, notei um desconforto interno. Uma tensão no abdome, que um segundo antes não estava lá. Voltei a atenção para a frase rapidamente, a tempo de flagrar o padrão, sua cauda ondulando, tentando deixar a cena e submergir. É curioso que, quando os pego pelo rabo, os padrões não lutam, como seria de esperar. Eles se rendem facilmente, a boca abrindo e fechando, os olhos esbugalhados. Trazidas à luz, minhas sombras são inofensivas como peixes fora d’água. Interrompi minha ladainha em meio a uma frase e repeti à minha amiga a pergunta retórica que povoa meu discurso nos meus melhores dias: “O que eu sei desse assunto?”

Ao tentar retomar a conversa, fiquei surpreso em ver como a afirmação que eu tinha acabado de construir se prestava tão bem a uma pergunta. É quase como se a frase tivesse nascido dúvida e se disfarçado de certeza. Já a reação do meu corpo não deixou ponto de interrogação. Ao perguntar, em vez de afirmar, minhas tripas relaxaram, meu cenho soltou a ruga que vive pendurada ali entre as sobrancelhas e as maçãs do rosto se elevaram. Os sinais eram inequívocos: eu estava dando um sorriso gostoso. E quando o ar saiu, em saltos, notei que estava gargalhando. Foi assim, mesmo, em câmera lenta, notando tudo. Fui possuído por uma presença gostosa, atenta, que me encheu de expectativa por aprender algo a partir da minha pergunta. Em vez de me defender e combater, eu estava aberto e amoroso. Aquele foi um ótimo dia.

Talvez você se reconheça neste texto, talvez não. Para mim, ele serve como um lembrete e uma oração, a me livrar da próxima afirmação. A vida sempre caminha melhor sem elas, com certeza absoluta. Ops, pelo menos para mim. O que você acha?


Rodrigo Vergara gosta de se apresentar como jornalista, ator, improvisador, facilitador de processos de confiança em equipe e fundador do PlayGrounded — a Ginástica do Humor. Mas pode ser que você o veja de outra forma, vai saber…

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