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Nossa batalha individual contra o plástico
Istock Cotton bags and glass gar for free plastic shopping. Zero waste concept
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Há algumas semanas, eu encontrei no meu computador uma foto de 2012, tirada na Bienal do Livro de São Paulo, onde aparecemos meu marido e eu. Ele está segurando uma sacolinha de plástico. A imagem trouxe estranhamento; hoje a gente já não acha mais que precisa das sacolinhas descartáveis para carregar as compras – sejam livros, roupas ou legumes. Uma retrospectiva passou na minha cabeça, lembrei das mudanças nos nossos hábitos e na nossa mentalidade. Já faz muitos anos que a gente só pega sacolinhas plásticas por descuido ou por urgência, é mesmo muito raro.

Quando o movimento desperdício zero (ou zero waste, em inglês) começou, perto do ano em que a foto foi tirada, eu o apontei em um artigo como uma renovação no que diz respeito ao nosso entendimento do que seriam práticas ambientais justas. A ideia de reciclagem como grande salvação estava sendo superada, e a nova recomendação desse grupo era de diminuir a quantidade de lixo que a gente produzia, reduzir o desperdício de recursos. Pra mim foi uma chave que virou.

O que me surpreende é a rapidez com que essa conversa se popularizou. Toda semana vemos grandes reportagens sobre o lixo, e principalmente o plástico, se multiplicarem nos meios de comunicação do mundo todo, da revista Veja ao jornal The Guardian, passando por uma matéria de capa na National Geographic. Não ignoramos mais que a poluição plástica custa dinheiro aos cofres públicos, prejudica nossa saúde, o meio ambiente e a biodiversidade.

Nessa década, o plástico se tornou um alvo comum da causa ambiental e muitas pessoas sentiram que essa era uma guerra individual na qual elas tinham que lutar. É preciso esforço, há plástico em praticamente tudo na nossa vida contemporânea: tem muito nos supermercados mas também nas roupas, nos eletrodomésticos, nas estufas das plantações, nas fábricas, nos hospitais, nos carros e nas bicicletas.

A primeira batalha dessa guerra foi declarada contra os canudos, as sacolas e os copos descartáveis. Muitas vezes, o plástico que enxergamos como incontornável serve mais a essas indústrias do que a nós mesmos. Enquanto nos sentimos obrigados a recusar os descartáveis, a ironia é que culpadas mesmo são as indústrias petroquímicas e de bens de consumo que adotaram os plásticos de uso único como opção padrão, sem pensar no destino deles após nosso uso.

Ainda hoje, elas apontam a reciclagem como solução para aliviar consciências. Este artigo mostra como a indústria de plásticos luta para continuar poluindo o mundo, tentando passar uma imagem de benfeitora com ações vazias. Aconselho a leitura para todos que querem ir mais a fundo na questão. Em resumo, é preciso saber que poucos tipos de plástico têm interesse comercial para a reciclagem (o principal é o PET, das garrafas) e o processo é caro, difícil e consome muita energia. Também pode resultar em um plástico contaminado cuja segurança ainda desconhecemos. É mais rentável produzir com material virgem do que encarar a reciclagem.

A simplificação do comportamento pró meio ambiente permite uma estratégia cruel do mercado. Ao mesmo tempo que os poluidores corporativos criam bonitos projetos para beneficiamento do material usado, eles fazem lobby na política para impedir leis que restringem o plástico. A guerra aos canudos pode estar servindo à agenda da indústria, nos distraindo do verdadeiro foco. Cada vez que recusamos um canudo, eles inventam uma nova necessidade para continuar crescendo seus números, como colocar no mercado uma nova fruta descascada embalada em plástico.

A questão que quero apontar é que não basta recusar o canudo, a sacola ou o copo e achar que o problema está resolvido. A indústria prontamente responde com uma proposta de solução, e é preciso ficar atento para avaliar se essa proposta realmente faz sentido ou se ela também deve ser rejeitada. É um vai e vem necessário para moldarmos novas realidades pro futuro.

O problema do plástico está no valor que damos pra ele. Usamos uma matéria prima durável de forma descartável. A solução pra nossa sociedade é focar o uso do plástico onde ele é insubstituível, onde pudermos aproveitar ao máximo suas características de resistência e impermeabilidade. No ambiente hospitalar, por exemplo, não podemos deixar de reconhecer que ele revolucionou os cuidados sanitários. Tirando algumas aplicações como essa, temos capacidade de enxergar alternativas e criar soluções para o resto.

O que precisa verdadeiramente acontecer é os números de produção mundial de produtos e embalagens de plástico de uso único começarem a cair. E isso ainda não está acontecendo. Será preciso sair da esfera individual e criar políticas restritivas. Enquanto tentamos entender como fazer a indústria assumir sua culpa, é possível fazer escolhas melhores de forma não alienada.

A cozinha segue sendo um dos maiores desafios pra evitarmos o plástico na nossa vida, já que precisamos fazer compras quase que diariamente. Eu tenho conseguido contornar isso comprando mais alimentos frescos do que processados e levando minhas sacolas para recusar toda embalagem extra. Indiretamente, toda compra gera resíduo, mesmo quando ele não vai parar nas nossas mãos. Parece muito difícil entender toda essa lógica no começo mas, quando nos damos conta, um hábito antigo já foi totalmente superado, como a sacola plástica do meu marido.

Fê Canna coloca atenção em suas escolhas como forma de resistir ao que percebe de errado no mundo. Acredita que com um olhar atento é possível fazer escolhas mais cuidadosas com a natureza, as outras pessoas e nós mesmos. Escreve mensalmente no Portal Vida Simples e seu site é www.fecanna.com

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