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Moda, comida, psicologia e os perigos do “fast”
Istock Eating too much. Blonde-haired stressed woman biting burger while eating too much in depression
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Vivemos com pressa! E como a maioria do que está na moda, vem em inglês. Estamos em tempos de fast. Literalmente “rápido, veloz”, um adjetivo para designar tudo aquilo que seja feito de forma rápida e de consumo instantâneo. Há o fast food, o fast fashion, o fast friend e até as fast news — notícias curtas e de digestão fácil.

A proposta era inserir, na complexidade da vida, algo leve e provisório, um intervalo e um descanso. A ideia não é má, o problema é que o fast virou rotina. Confirmando a máxima de que não existe nada mais permanente do que o provisório, o fast instalou-se. E os problemas estão à vista.

O precursor do movimento foi o fast food. Começou timidamente. Era apenas uma opção para quando não tínhamos tempo para uma refeição. Deixou de ser uma exceção ocasional, aumentou-se a frequência, virou um hábito, o hábito virou cultura e agora há pouco o que fazer. O número de brasileiros adultos com excesso de peso teve um aumento de 67,8% entre 2006 e 2018 (Vigitel, 2019).

O fast food, ou junk food, fez estrago semelhante na cultura que o criou, os EUA. Os alimentos preparados de forma rápida e consumidos por conveniência, como sanduíches e pizzas, transformaram-se em um elemento cultural que mudou os hábitos — e a saúde — do povo norte-americano.

O resultado é que os norte-americanos tem a maior população de obesos do planeta. Não é sem razão: uma típica refeição de fast food — sanduíche, refrigerante e batatas fritas  — possui cerca de 1500 calorias. Ora, praticamente é o número de calorias de deveríamos ingerir em um dia inteiro. E com um agravante: como é pobre em nutrientes, não oferece as necessidades básicas que o organismo precisa, logo, após duas horas, a fome volta.

Um prato saudável, com as mesmas calorias, a necessidade de alimento só virá após cinco horas. Se fosse só a obesidade já seria alarmante, pois ela é a porta de entrada de inúmeras doenças. Porém,  há  mais. O fast food é rico em gorduras más, açúcar, sal e diversos aditivos que podem desencadear doenças como diabetes, gastrite, hipertensão, colesterol elevado, entre outras.

E a ameaça não está restrita às cadeias de comida rápida, ela está também nos supermercados. As refeições semiprontas, alimentos processados, refinados e enlatados comportam os mesmos danos. E não é apenas no Brasil; na lógica da globalização, o fast food saiu dos EUA e ganhou o mundo.  O número de crianças obesas no Brasil tem níveis crescentes e até países com cultura alimentar saudável, como a França, também já se queixa da obesidade. E como se não bastasse, recentemente, veio mais um artifício para enganar corações e mentes: o hambúrguer  gourmet. As modernas hamburguerias é um fenômenos mundial e vieram para ficar.

Depois do corpo, olhe para a sua roupa. Fala-se na democratização da moda. A oferta é imensa. Todos comemoram e compram — quase que semanalmente. Para manter a máquina girando, os designers de moda lançam diariamente novos modelos e eles são feitos para não duraram, porque na semana que vem tem mais.

A máquina da indústria têxtil não pode parar. O conceito da fast fashion são roupas quase descartáveis. Após um mês já não serve — ou o modelo saiu de moda ou o tecido já não aguenta mais lavagens. O resultado é que a indústria do vestuário é uma das mais competitivas e agressivas do planeta e os seus malefícios não são restritos ao bolso do consumidor.

Seus danos são de longo alcance: econômicos, humanos, sociais e ambientais. Os danos vão do indivíduo até o planeta. Você já parou para pensar o que faz algumas marcas serem tão baratas? Ainda não há máquinas em que você põe o tecido e a peça sai pronta. Alguém precisa fazer o trabalho. Quanto essa pessoa ganha? Com a busca do lucro crescente, a cada coleção, procura-se reduzir os custos. A redução do preço é feita no tecido — quase tudo é feito de poliéster (ou outro tecido sintético) e na mão de obra. Quase todas as marcas tem as suas fábricas em lugares muito pobres do planeta, onde não há respeito pelas leis trabalhistas (trabalho semiescravo ou escravo) e onde as legislações ambientais são inexistentes. Há comunidades na China que tem os seus rios coloridos  — contaminados pela indústria têxtil  — e trabalhadores doentes devido ao manuseio dos químicos sem segurança. Veja o alcance destruidor da “moda acessível”.

O fast também entranha-se na nossa vida privada, abrigado pelo movimento da autoajuda. Vejo com muita nitidez essa realidade na educação das crianças. O cenário que se tem é de uma complexidade absurda e os manuais técnicos, no estilo “escola de pais”,  são realmente necessários.

De um lado, há os pais munidos de tudo o que são (vivência, personalidade e educação recebida); do outro, a criança com a sua personalidade e caráter únicos; na frente, o mundo e o seu entorno (escola, círculo de amigos, sociedade); atrás, um conteúdo enorme de teoria e informação. E, por último — pairando acima de nossas cabeças — uma tonelada de amor e encantamento. É uma combinação difícil de gerir.

Agora imagina os estragos que a fast psicologia e a autoajuda simplista podem fazer nesse cenário. Tenho um filho e, como pessoa reflexiva que sou, estou de olhos muito abertos para as armadilhas e perigos que vislumbro nessa minha missão. Tive e tenho muitas dúvidas sobre quais são as melhores práticas. Rousseau e Brazelton à parte,  tenho como estrutura dorsal a educação integrada de Içami Tiba.

Este ensina que no processo educativo nunca se deve perder de vista a sociedade. A educação deve estar sempre em diálogo com o mundo. Atenta às inúmeras variáveis já referidas, mais em alerta com a educação fast — simples, rápida, eficaz e fácil de implementar — numa conversa informal com uma psicóloga infantil, durante um jantar de amigos, comentei sobre um episódio recente.

O treinador de futebol havia dado um pontapé no meu filho e ele caiu. Ora, verificando o desnível do embate – um adulto de 1,90 metro e uma criança de 1,20 – fui à direção do clube reclamar. A especialista foi contundente: errado. “Ele vai deparar-se com outros professores assim, tem de aprender a lidar sozinho”.

Tentei explicar que o meu filho tinha apenas 7 anos, que ele não presenciou a minha interferência… A psicóloga foi categórica: “mesmo assim, não deveria ter interferido”.

Fiquei ali pasma, sem ação. Ela não conhecia o meu filho. Não conhecia a personalidade, o histórico, o contexto dele. Eu tinha questões do tipo “E em que situações é lícito interferir e em que idade? Mas como vi que a questão para ela estava fechada e da minha parte também… encerrei o assunto.

Seja na vida privada, econômica ou social, não devemos consumir nada de forma rápida e sem reflexão. Nós temos um grande poder e ele não pode ser desperdiçado. São os gostos e as escolhas do consumidor que condicionam a oferta do mercado.

Há muitos países que ainda resistem ao fast food. Em Portugal, por exemplo, a dieta mediterrânea ainda permanece e tem muita força. Há o junk food? Há. Mas aqui, a mais famosa das cadeias norte-americanas, além dos hambúrgueres, têm palitos de cenoura crua, maçã e pera in natura e…  sopa — uma entrada clássica que está diariamente na mesa dos lusos.

No item vestuário, aos poucos as pessoas estão se conscientizado e cresce o número de lojas de roupa de segunda mão. Nos últimos anos, a fabricação de tecido sintético dobrou, mas a rejeição a eles também está começando. Há um número crescente de consumidores conscientes que optam pela qualidade e durabilidade do algodão e do linho. E, sobretudo,  ao “não descartável”, porque ecologicamente, o algodão também tem a sua sustentabilidade comprometida.

Não podemos perder de vista de que numa sociedade capitalista tudo está interligado e nada é inocente. Mesmo em nome da pressa, não podemos abrir mão da reflexão. Mesmo na urgência, não devemos negligenciar o bom senso. Todo o consumo — seja de um bem material ou uma informação — implica uma responsabilidade e deve ser pensado. O consumo é uma arma. Conscientes da grande cadeia que se estende além da compra de uma simples bolsa, podemos nos engajar numa causa, melhorar a nossa vida, melhorar a sociedade e fazer diferença no mundo.


Margot Cardoso
(@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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