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Você poderia me escutar?
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Olho no celular, pressa, ruídos e distrações fazem com que ser ouvido — e compreendido — seja um acontecimento cada vez mais raro.  

Há um consenso sobre o poder da fala. É pela oralidade que lideramos, influenciamos, convencemos, ensinamos. Não é por acaso que o mundo virtual oferece uma profusão de vídeos e podcasts. Todos querem falar. Porém, o que quase não se reconhece é a extrema importância da escuta. Todo conhecimento e aprendizado tem como base e ação primeira o ato de escutar. Tudo o que é falado, só tem uma existência real, se for ouvido. Afinal, de que adianta os melhores oradores sem ouvintes?

Apesar disso, hoje, o número dos que falam é imensamente superior aos que escutam. A razão é simples. O mundo contemporâneo, com o seu apelo constante ao protagonismo, promove excessivamente a fala e, ao mesmo tempo, desvaloriza a escuta. Porém, não é apenas as múltiplas distrações, a velocidade, os olhos voltados para visores e a profusão de ruídos os únicos responsáveis para que assim seja.

Há outras razões. Desde a infância começamos o aprendizado de que o ato de falar é sinônimo de liderança e o de escutar, de submissão. Desde cedo somos formatados a considerar a escuta como algo negativo, desagradável. A criança, quando é alertada com “ouve o que eu te digo”, ou “eu só vou falar uma vez”, já assume que fez algo errado ou que será repreendida.

Não te escuto!

Associado a isso, o nosso cérebro não ajuda. Estudiosos já sabem que após 15 minutos, a concentração para acompanhar uma aula, uma palestra, começa a diminuir. Quando estamos inseguros e com medo, temos ainda menos disponibilidade para ouvir. E, como se não bastasse, quando o conteúdo da fala é um pensamento discordante, tendemos a deixar de ouvir. Sem contar os momentos em que interrompemos e não deixamos o outro falar.

Para completar, o mundo está cada vez mais barulhento. Nos restaurantes, cafés, lojas, domina uma polifonia de ruídos, inviabilizando a escuta. Penso que, aqui, você percebeu porque fala-se em “arte de escutar”. Não é fácil ser ouvinte. Com todos esses “incentivos” falamos mais e escutamos menos — muito menos. Ah! Mas… e o boom de podcast que assolou o mundo não mostra que isso está começando a mudar?

Os especialistas afirmam que não. Já há estudos que dizem que as pessoas aderem a eles por ser uma interação que permite fazer outras coisas ao mesmo tempo. E ainda que não exige grande concentração e que permite adiantar e passar a frente o que estão ouvindo. Sem contar que muitos usam os podcasts como pano de fundo para fazer exercício ou preparar o jantar. As pessoas não suportam ficar em silêncio com os seus pensamentos. Isto é: não querem escutar nem a elas próprias.

Ouvir e escutar

E eu?

Essa é uma vista panorâmica, porém, na esfera privada, a falta de escuta permanece e pode ser ainda mais danosa. Já falamos aqui que a plenitude humana está assente na qualidade da relação com os outros. Precisamos ser reconhecidos e aceitos. Precisamos nos expor, dizer quem somos e o outro precisa ouvir. O outro fala e também precisamos ouvi-lo. Não é à toa que a não escuta está no topo das reclamações que inviabilizam os relacionamentos.

Quando foi a última vez que você foi efetivamente ouvido? Quando você esteve diante de alguém que escutou o que você tinha a dizer, olhos nos olhos, com a mente aberta, que não se distraiu com o que estava ao redor e nem se perdeu nos seus próprios pensamentos? Você não consegue lembrar? É normal. Encontrar um bom interlocutor não é um prato de todos os dias. E é nisso que consiste uma parte da dureza da vida.

Aquele que não ouve, passa ao lado da narrativa do outro e com isso diminui a sua importância. Não há relação possível sem bons ouvintes. A fala é importante, mas é através da compreensão do que falamos que ganhamos clareza sobre aquilo que pretendemos dizer. É na validação dada pelo outro que subimos ao nível seguinte. É também essa uma parte da razão do sucesso das psicoterapias. Nelas, temos um interlocutor privilegiado, num tempo só nosso.  

Você não tem a minha validação

Afinal, o que se espera da escuta? Ansiamos por validação. Isto é, validar significa compreender verdadeiramente o sentimento e a emoção do outro. Não se trata de concordar ou consolar. É ouvir, compreender e acolher o sentimento do outro. Queremos que o outro reconheça que os nossos sentimentos são legítimos. Apesar de ser um ato simples, há poucos capazes desse bálsamo emocional. O que impede? À parte a falta de interesse, a razão mais comum é o medo generalizado das emoções negativas.

Tentamos evitar a todo custo sentimentos inconvenientes, perturbadores ou aborrecidos. Bloqueamos quando o nosso cônjuge diz: “precisamos falar” ou quando nos deparamos com as lágrimas dos nossos filhos. Antevemos dramas e problemas e queremos evitá-los. Além da tendência de fugirmos aos sentimentos dolorosos, imaginamos que reconhecer um sentimento negativo, irá torná-lo pior do que ele é. Na nossa cabeça, vamos materializá-lo, fortalecê-lo e trazer mais tristeza.

A escuta cura  

Contudo, passa-se exatamente o contrário. Quando ouvimos o outro, identificamos e validamos o seu sentimento, ele não mergulha no sofrimento, mas se liberta dele. Os sentimentos tornam-se menos fortes assim que são expostos à luz. Quando devidamente compreendidos, a insegurança do seu parceiro é suavizada, a raiva do seu filho é minimizada. Um casal sem escuta mútua começa a construir um muro na relação e, com o tempo, deixará de se reconhecer. Perdem conexão e intimidade e, quando se dão conta, são dois estranhos. Na criança, a escuta funciona como tijolos que constroem a sua maturidade. Muitos casos de bullying, indisciplina e agressividade tem a não escuta como ponto de partida.

Como se faz a validação?

Há um roteiro muito simples. Depois de ouvir atentamente e compreender o que o outro sente, geralmente passamos automaticamente para o julgamento. Qual é a resposta mais comum que temos para o outro? “Não há razão para insegurança” ou “Não sejas tola, isso é coisa da sua cabeça”. Resposta errada. Pode ser que você considere o sentimento do outro como algo sem sentido — absurdo mesmo — ou algo embaraçoso que você não queira lidar. E você pode até ter razão. Mas esqueça o que você acha, não é sobre você, o foco deve ser no outro.

Ao invés de “Não há razão para insegurança. É coisa da sua cabeça”, uma resposta mais correta seria “Eu compreendo o que você sente. Mas o que faz você se sentir inseguro?”. Ao invés de “Não era óbvio que essa relação não tinha futuro”, o indicado seria “Eu compreendo a sua tristeza, é muito difícil desistir de um sonho”. Simples assim. Sem julgamento e sem diminuir ou negar o que o outro sente.

A escuta validada funciona como bálsamo. E tem ação imediata. O batimento cardíaco começa a diminuir, a dor começa a diluir-se. E é a partir desse exercício que nos apaixonamos, amamos e construímos relações fortes. Encontrar alguém que — mesmo ocasionalmente — esteja disposto a ouvir o que sentimos — por mais inconveniente, angustiante ou estranho que possa ser — é uma redenção, uma dádiva que deveríamos dar mais e receber mais.


Margot Cardoso (@margotcardosoé jornalista e mestre em filosofia. Mora em Portugal há 18 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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