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Comemore os 80% e diga não a perfeição
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A vocação para o sacrifício, a busca do “ótimo” e a crença de um mundo perfeito estão na origem de doenças modernas como a depressão e a ansiedade. Aprenda a detectar — e combater — esses males

Nos últimos cinco anos — no Brasil e em quase todos os países ocidentais — o consumo de fármacos para a ansiedade e a depressão triplicou. Os vários estudos sobre o fenômeno têm trazido à luz um denominador comum na personalidade desses pacientes: o perfeccionismo. Essa faceta da personalidade já é considerada uma das mais nocivas da sociedade moderna. Como se não bastasse a competitividade e o culto à perfeição, hoje nos comparamos muito mais porque temos mais acesso à vida dos outros, através das redes sociais. Ainda que se saiba que parte do que está lá é falso, a pressão é bem real. Somos pressionados a ter o emprego ideal, o parceiro perfeito, o corpo glorioso, a casa de sonho, as viagens exclusivas.

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Diversos estudos relacionam o perfeccionismo à ansiedade, à depressão, à raiva, à frustração social, ao transtorno obsessivo-compulsivo, à síndrome do pânico, à anorexia e à bulimia”. O perfeccionismo também está associado a comorbidade — termo médico que designa qualquer patologia independente e adicional a uma outra já existente. Um paciente pode ter o combo depressão + síndrome do pânico, por exemplo. Mas não há só más notícias. Os estudos também contemplam os tratamentos e eles apontam que quando o perfeccionismo é tratado nas sessões de psicoterapia, a patologia diminui. Um exemplo claro de causa e efeito.

Será que eu…

Ok. Estamos imersos na perfeição. Como medir? Como saber exatamente o que é dedicação necessária  — e saudável — a um projeto ou a um relacionamento? Antes é preciso que se diga que há pelo menos três tipos de perfeccionismo que podem habitar em nós. Há o perfeccionista que tem o foco no outro: está sempre a criticar e a exigir a perfeição nos outros — e no mundo. Nem é preciso dizer que esse tipo é o mais rejeitado, ninguém quer tê-lo por perto. Há o egocêntrico, com seus objetivos irrealistas e hiperexigentes. Esse, por mais que trabalhe, vive angustiado pela sensação de fracasso. E, finalmente, um terceiro tipo: aquele que habita um mundo exigente, massacrante, um fardo que ele carrega nas costas. Não porque o mundo seja assim, mais porque ele percepciona o mundo dessa maneira.

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É claro que você já deve ter experimentado cada um desses cenários. Esporadicamente, eles são normais. A patologia vem quando esses comportamentos são permanentes. Mas como saber se a sua “vontade” de perfeição anda em níveis normais. Qual é a fronteira entre a normalidade e a patologia?

Vigiar e não punir

Uma maneira clara de detectar se você está passando das marcas, é analisar como lida com os resultados. Diante do fracasso, sente vergonha, frustração, ansiedade e busca formas de autopunição? Você não consegue saborear pequenas vitórias? Quando alcança uma meta, no mês seguinte multiplica a meta por dois, num espiral constante de superação? Se você respondeu sim para pelo menos duas dessas perguntas, você provavelmente já ultrapassou a fronteira da normalidade.

De olho na dose

O perfeccionismo não é de todo um mal, desde que você saiba administrar as doses. Até porque há muitas pessoas que não tem como escapar dele: é um traço da personalidade. Para esses, as doses precisam ser revistas diariamente. A luta é grande. Seja por inclinação pessoal ou por molde da sociedade, a perfeição estará sempre por perto. Para esses, além das doses, deve-se manter uma distância segura. Como? A primeira providência é se conscientizar do princípio de Pareto — também conhecido como a regra do 80/20. Esse princípio diz que 80% dos resultados são gerados por 20% dos esforços. Dizendo melhor: é preferível concentrar-se no pouco que gera muito resultado do que perder tempo com detalhes que trazem pouco retorno.

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Ok. Um perfeccionista vai perseguir os restantes 20%. Pior para ele, diz Pareto, porque ele terá que se esforçar 80% para ter os 20. E isso serve para tudo. Para a informática: ao corrigir 20% dos erros, 80% das falhas e panes desaparecem. Para o exercício físico: 20% dos exercícios são responsáveis por 80% do impacto no corpo. Nos desastres: só 20% dos perigos correspondem a 80% dos acidentes. Verifique: a regra do 80/20 ou a “lei dos poucos vitais” é consagrada.

Com os estudos de Pareto fica claro que os 100% é uma utopia. A partir de agora espalhe a regra do 80/20 para todas as áreas da sua vida. É uma espécie de antídoto libertador. Mas é um processo, uma conquista gradativa. A ideia é mudar o modelo mental, tirar da cabeça que você precisa dar sempre o máximo.

E o que faço com os outros?

Você está a ponto de explodir, mas teme recuar e decepcionar o seu público. Um agravante extra, já que faz parte do perfil perfeccionista procurar a aceitação e a admiração dos outros. Reveja esse modelo e tente diminuir o peso da opinião dos outros. A pressão do externo é muito sobrevalorizada. Sem contar que às vezes a pressão que vem de fora está só na sua cabeça. Mas se for realmente o caso, mantenha-se firme. Você pode chocar a liderança nas primeiras semanas, depois eles assimilam. Nessa etapa, ajuda muito mudar o foco para o esforço, não para o resultado. E depois? Esperar Pareto entrar em ação.

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Sou porque gosto!

Há outro obstáculo: o sabotador interno. Há quem se orgulhe de ser perfeccionista e não queira mudar. Se esse é o seu caso, faça uma autoanálise. Geralmente, os que querem continuar no ciclo doentio da perfeição tem muito medo de perder a admiração dos outros, receiam que o recuo seja encarado como fracasso, que a diminuição do rendimento seja encarado como decadência. Sabem do mal que fazem a eles próprios, mas consideram tarde demais para voltar atrás. Nesse caso, ajuda muito refletir sobre quem são esses “outros”. Quem realmente importa, aqueles que nos dedicam admiração e amor, estão interessados no nosso bem-estar.

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A sabedoria estoica ensina que poucas coisas estão em nosso poder. Precisamos aprender a identificar o que podemos agarrar e o que devemos abandonar. Nesse processo, experimente praticar um olhar desinteressado sobre a vida. Descanse do papel de protagonista, vá para a plateia e simplesmente contemple a cena. E nessa contemplação — com a ajuda de Fernando Pessoa — você vai se dar conta de que não amamos a perfeição, o que amamos é a aproximação do perfeito — os 80%. E só amamos porque é aproximação, está fora de nós, é desumano; porque o humano está sempre inacabado, é por isso mesmo, maravilhosamente imperfeito.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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