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Buscando um lugar para ser feliz
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O ambiente em que vivemos condiciona os nossos pensamentos, emoções e a forma como experimentamos a vida

O conhecimento de que o espaço exerce influência sobre nós é muito antigo, mas só recentemente a ciência tem se ocupado do tema. O lugar em que se vive molda a nossa personalidade e tem grande impacto sobre as nossas vivências. E é mais do que isso, espelhamos o lugar que habitamos. E mudando-o, também mudamos a nós mesmos. Talvez o World Happiness Report — o medidor de índice de felicidade por países —  seja o ponto mais visível desse conhecimento. O ano passado, 2019, a Finlândia esteve no topo pelo segundo ano consecutivo. (E já que toquei no assunto, o Brasil ficou em 32º lugar). E apesar do ranking avaliar indicadores práticos — como a economia — também contempla a subjetiva percepção individual, como a sensação de bem-estar. Talvez por isso, a rica Suiça e o singelo Butão partilham índices semelhantes de satisfação com a vida.

Mudanças

Os rankings valem o que valem. Entretanto, o entorno vai além da questão humana, tem importância fundamental para todos os seres vivos. E para algumas espécies, o lugar confunde-se com o próprio alimento, portanto uma questão de vida ou morte. Como as plantas, por exemplo. O alecrim precisa de solo seco, bem drenado e sol direto. Coloque um alecrim na sombra e ele definhará. Mas não precisamos ir tão longe. Para ficarmos no nosso palco, sabe-se que o esperma e os óvulos são influenciados pelo ambiente.

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Quando as mudanças no muco do ambiente uterino facilitam o processo, o esperma tem mais chances de fertilizar o óvulo. E se o óvulo não estiver no lugar certo, ele não consegue formar a placenta. E não se fica apenas no entorno mais imediato, alarga-se. Há estudos que apontam que em tempo de guerra, nascem mais bebês do sexo masculino. É o espaço no comando.

Corpo, mente e o lugar

No mundo do trabalho, sabe-se que os ambientes tem impacto na performance profissional. É por isso que as empresas do vale do silício investem em ambientes lúdicos e estimulantes. Também se sabe que os hospitais precisam ser monótonos e austeros. O primeiro convida à ação; o segundo provoca cansaço, facilita o estar na cama e o repouso.

Apesar de poucos estudos, sabe-se da associação entre ambiente e vício, ambiente e doenças da mente; porém já está muito difundido a importância da mudança do espaço na cura de adição de drogas.

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A escritora Winifred Gallagher conta no seu livro The Power of Place: How Our Surroundings Shape Our ThoughtsEmotions, and Actions (O Poder do Lugar: como o ambiente molda nossos pensamentos, emoções e ações) conta que a rainha Vitória depois da morte do marido passou a dividir a vida entre o palácio que continha o túmulo do falecido e o outrora ninho de amor do casal no interior da Escócia. Pesquisadores do ambiente não se surpreendem que a rainha tenha permanecido inconsolável até a sua morte. Na depressão e em outros comportamentos há uma coincidência entre fatores psicológicos e ambientais. Para se livrar de um hábito, um vício ou um amor perdido é necessário também uma ruptura com o ambiente condicionado.    

Sabedoria milenar

Decerto, a importância do espaço é muito mais antiga do que quer o conhecimento ocidental. O Feng Shui — uma das metafísicas chinesas com mais de cinco mil anos — dita que existe uma relação entre a vida humana e o seu entorno, mais intimamente, a casa onde se habita. Trata-se de uma ciência que abrange  geofísica, religião, psicologia, folclore e o atemporal bom senso e, provavelmente, o Feng Shui surgiu quando os antigos mestres tentavam ler a pulsação da terra para identificar os melhores lugares para o túmulo dos seus ancestrais. O princípio básico é o de que no entorno certo vive-se melhor.

Eu, urbano?

No entanto, mais importante do que viver em lugares harmoniosos, é habitar lugares sem excesso de estímulos. Daí talvez venha a explicação para a ascensão da yoga e da meditação. Durante muito tempo, o sono foi a única válvula de escape para a superestimulação, porém hoje tempos digitais hiperestimulados o sono já não é suficiente — e para alguns, já não é possível. Com quase 70% da população mundial vivendo no meio urbano (no Brasil é 80%), o baixo nível de estímulo é um luxo para poucos. Mesmo os muito ricos não prescindem da urbanidade e preferem construir oásis dentro da cidade, com mansões com jardins barricando o espaço urbano.

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Desde os tempos de Sodoma e Gomorra que as cidades são apontadas como lugares ruins. A arquitetura limita a luz do sol, a disposição das ruas fazem corredores de vento e aprisiona o calor. Apesar do senso comum apontar a sujeira, o barulho, a poluição e o crime como os grandes males, a verdade é que o grande problema da cidade é mesmo o excesso de gente. Quanto mais população, mais a cidade será limitante, competitiva, burocrática e agitada.

Minha casa, o mundo

Quando pensamos sobre nós e o nosso propósito de vida não podemos negligenciar a importância do lugar que habitamos. A casa, a cidade, a região, o país; seu clima, relevo, aromas e paisagens também compõem o que somos. Veja a tendência a inibição dos habitantes das ilhas — e às vezes a reação à elas: a ânsia de abertura; o integrado estilo de vida dos esquimós, completamente regido pelas estações do ano; a introspecção suave do sertanejo moldada pela paisagem castanha; a “vida na rua” dos cariocas… O lugar não é responsável apenas pela nossa paz e o nosso caos, ele também nos forma.

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Porém, nem sempre é possível escolher  o “melhor lugar”, mas podemos fazer pequenas mudanças e explorar o potencial terapêutico do lugar que habitamos hoje. A estratégia de organizar a casa, mudar móveis, trazer a natureza para dentro de casa com plantas são estratégias para melhorar o nosso entorno. E para alguns, por si só, esses exercícios trazem lampejos de esperança e propósito. Mas, talvez os gregos antigos tinham razão na crença de que cada um tem o seu lugar no mundo. E para eles, a grande busca, o sentido da vida, era descobrir qual era esse lugar. No lugar certo, estava-se alinhado com o cosmo, em harmonia com o todo. Esse era o grande propósito. Ulisses experimentou a maravilha de muitos lugares, mas sabia que o seu era Ítaca.

O nosso lugar

Então, todos nós conhecemos o poder da mudança de cenário: quando vamos à praia, quando fugimos da cidade no fim de semana, nos retiros…  Porém, também experimentamos isso todos os dias quando chegamos em casa. Ela é a nossa base estável a partir de onde exploramos o mundo e é também o refúgio seguro para onde voltamos quando o mundo parece incerto. E é aqui, na experiência particular que sentimos o poder do lugar. É aqui que experimentamos a afirmação dos cientistas de que os sentidos enviam ao cérebro muito mais informação do que somos capazes de absorver conscientemente. Chegamos em casa e a nossa fisiologia muda. Diante da ausência de estímulo e novidade, os níveis de cortisol caem, os batimentos cardíacos diminuem. Estamos renovados e salvos. Enfim, estamos no nosso lugar.

Margot Cardoso (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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