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Autorresponsabilidade afetiva (ou a arte de ser íntegro consigo mesmo)
Adam Winger | Unsplash
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É muito comum desejarmos que o outro nos respeite, cuide e encoraje. Mas quantos de nós estão dispostos a fazer o mesmo por si mesmos?

Por que o afeto importa tanto?

É sabido que de todos os mamíferos, o ser humano é aquele que vem ao mundo menos preparado para ele. Desde a visão e dentição ainda por desenvolver, passando pela incapacidade de andar, de prover o próprio alimento ou até de discernir e se defender do perigo. Os bebés humanos necessitam de cuidadores externos. Assim, estão inteiramente dependentes para se desenvolverem fortes e saudáveis.

Por isso, desde cedo, a necessidade de vínculos é sentida como uma real necessidade de sobrevivência, já que precisamos do outro para sermos alimentados, limpos, aquecidos e protegidos. Como resultado, todos os indivíduos têm um instinto visceral para se apegarem às figuras em quem confiam  — literalmente!  — a sua vida.

Validação e afeto

Pelo mesmo motivo, a devolução de afeto e validação pelos que cuidam de nós, física e emocionalmente, é o que contribui largamente para o desenvolvimento da nossa autoestima. Se nos sentirmos amados, é muito mais provável que sejamos capazes de confiar em quem somos. Se vivemos em contextos de maior imprevisibilidade afetiva, podemos tornar-nos mais desconfiados e inseguros em relação ao mundo à nossa volta.

Assim, é possível dizer que desenvolvemos a capacidade de amar, pela forma como aprendemos a vincular-se com os outros, desde a primeira infância. Não é por acaso que muitas discussões nos relacionamentos adultos são, na verdade, fortes pedidos de ajuda, acolhimento, reconhecimento e amor.

Autoresponsabilidade afetiva: o verdadeiro compromisso da vida adulta

Dessa forma, são esses primeiros vínculos que nos informam sobre o que é legítimo ou condenável em nós. Assim como quais são as nossas características passíveis de serem amadas e o que deveríamos suprimir na nossa individualidade. Esses primeiros aprendizados poderão explicar o fato de crescermos com a ideia implícita de que o olhar do outro, importa mais do que a nossa autoimagem. Que o amor é algo que precisa ser conquistado e merecido. E que o outro tem um poder irredutível sobre o nosso humor  e que dependemos, muitas vezes, do seu comportamento para nos sentirmos suficientes e capazes.

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Crédito: Tom Allport | Unsplash

Acontece que, enquanto adultos, independentemente daquilo que aprendemos nos primeiros sete anos da nossa vida, não há volta a dar. No final do dia, já não são os nossos pais ou outros cuidadores, os responsáveis por reparar as nossas feridas, regular as nossas emoções ou estancar os nossos corações partidos. Somos nós mesmos.

As mágoas da infância

Enquanto não assumirmos que a vida é da nossa literal e inteira responsabilidade, passaremos grande parte da fase adulta a lidar com desdobramentos do que nos magoou na primeira infância. Por essa razão, urge desenvolver a autorresponsabilidade afetiva, que diz respeito à honestidade, à transparência e ao compromisso que temos em cuidar o melhor possível de quem somos.

Dessa forma, a autorresponsabilidade afetiva é a arte de ser íntegro consigo mesmo. É a construção de uma boa relação com a sua mente,  emoções, sensibilidade, potência e autenticidade. E essa relação deve ser desenvolvida no dia a dia, entre noites escuras da alma, tempestades emocionais e primaveras internas.

É importante que se compreenda que sem autorresponsabilidade afetiva vivemos numa enorme cegueira emocional e facilmente ficamos reféns do que sentimos e reativos às emoções dos outros. É ela que permite reconhecer as emoções e utilizá-las para se orientar e tomar decisões difíceis, mas necessárias na vida adulta. Ter responsabilidade com os próprios afetos, é aprender a maternar-se, sabendo que ninguém além de você é responsável pelo que sente e pelo modo como se comporta.

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Crédito: Tai Jjyun Chang | Unsplash

A Regra dos Três A’s

Para começar a desenvolver a autorresponsabilidade, proponho o uso da Regra dos três A’s: 

1 | Autoconsciência: se etimologicamente a palavra consciência significa conhecimento, autoconsciência é o conhecimento sobre quem você é. Assim sendo, investigar-se é um dos primeiros passos para quem busca reconstruir uma relação mais íntima consigo mesmo.

2 | Autocuidado: ser zeloso, tratar-se com amorosidade e gentileza. Assim como reconhecer as suas habilidades e aprender com as suas fragilidades. Além de ser uma prática de primeira necessidade, contribui para a saúde mental.

 3 | Autoproteção: saber escolher a própria rede de apoio, reconhecer e expressar limites pessoais e ter atitudes construtivas diante dos desafios. Essa é uma aprendizagem essencial na hora de amadurecermos as nossas relações, conosco e com os outros.

Assumir a própria vida

Já diz um velho cliché: ‘’só podemos amar o outro na mesma medida em que nos amamos a nós mesmos’’. E de facto: como podemos desejar que o outro nos reconheça, quando não conseguimos ver-nos por inteiro? Como podemos desejar sustentar a tristeza do outro, quando repelimos a nossa?  É possível proteger a nossa energia, se vivemos para agradar alguém? Como podemos estabelecer limites ou lidar com a frustração do outro, se não temos a capacidade de serenar as sensações fisiológicas da raiva ou ressignificar pensamentos mais catastróficos?

Eu sei, são muitas perguntas! A verdade é que por falta de autoafeto vivemos magoados pelas nossas perdas, mutilados pelas nossas carências e angustiados com tantos buracos emocionais, projetando no outro a obrigação de cuidar, construir e reerguer quem somos.

É duro assumir o lugar no centro da sua vida, mas fazê-lo o libertará da cobrança, chantagem e dependência emocional. Ao mesmo tempo que devolve o prazer da sua própria companhia.

Não se abandone. Aprender a viver bem na própria pele é uma habilidade. Responsabilize-se por isso.


MÁRCIA INÊS COELHO, é terapeuta e coach emocional e ensina pessoas e grupos a gerir suas emoções e a conectar-se com uma vida mais livre, leve e autêntica. Acredita que a cura emocional é o afeto.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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