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Atitudes estoicas para enfrentar a pandemia
Crédito: Choreograph | IStock Crédito: Choreograph | IStock
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Contra tempos turbulentos, o estoicismo tem bons antídotos para serenar as incertezas do presente e para a criação do futuro necessário.

Em muitos momentos, estive em lugares — e com pessoas — onde perguntei a mim mesma: o que estou fazendo aqui? Esse pensamento revela um dos nossos maiores medos, o de, no fim, descobrir que desperdiçamos a vida. Essa sensação é pontual e pode vir de várias fontes. Do estilo de vida que levamos, do trabalho e até dos nossos relacionamentos.

Entretanto, com a pandemia, esse estado pontual virou uma espécie de prato de todos os dias. Um vírus que parece invencível — que muda, se fortalece e é mais rápido do que nós — transformou o mundo em um lugar estranho e incerto. Estamos há mais de um ano com a vida suspensa,  improvisando, se adaptando, vivendo o momento. O futuro? Só o de curtíssimo prazo. Nem é mais o clássico “estão sempre mudando as regras do jogo”.  Agora, muda-se o jogo, durante o jogo. É vôlei e avisam que agora é futebol. Mas você ainda está com a bola na mão, o juiz apita. De um dia para o outro, vantagem vira desvantagem e o que era certo passa a ser errado.

Estoicismo

Nesse sentido, como manter a sanidade? Dentro da filosofia, talvez as melhores ensinamentos venham do estoicismo. Conhecida como a filosofia que “arranca” a serenidade da adversidade, é dela que necessitamos hoje. Fundado na Grécia antiga por Zenão de Cítio, o estoicismo data do século III a.C. Mais tarde, graças a Marco Aurélio, Sêneca e Epíteto, foi uma das escolas de pensamento mais populares e bem-sucedidas na Roma antiga.

E por quê? Ora, nessa altura, a Cidade Eterna era um lugar inóspito. Os assassinatos e todos os tipos de crueldade faziam parte do cotidiano. E não era só a banalização da morte. O status de um indivíduo repentinamente podia mudar de homem livre para escravo, por exemplo. E isso valia para todos — dos bem-nascidos e poderosos até ao mais comum dos cidadãos. O próprio Sêneca repousava em sua propriedade, nos arredores de Roma, quando recebeu a notícia de que fora condenado à morte. Assim, sem julgamento e sem direito a defesa, teria que ali mesmo, diante de amigos e familiares, cortar os pulsos.

Incertezas

Analogamente — e guardando as devidas proporções — vivemos na mesma instabilidade. Não sabemos se vamos adoecer ou não, que efeitos o vírus terá sobre nós. Não sabemos o que acontecerá na semana que vem. Onde, como e quando tiraremos férias. E, sobretudo, não sabemos quando isso acabará. Mais do que isso, há a angústia que advém da ausência de um vislumbre sobre o futuro. Ninguém sabe como será a “nova normalidade”, o pós-pandemia — e há quem desconfie que não haverá pós. Há o receio de que o mundo tal como conhecíamos terá deixado de existir.

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Crédito : Fotografie | IStock

Entretanto, nós estamos habituados a fazer planos. Como viver em meio à tanta incerteza? Primeiramente, uma das lições máximas do estoicismo é a prevenção. Eles recomendam a não esperar pelas adversidades, mas antecipar-se e preparar-se para elas. Como? Abdicando, propositadamente, ao que nos pode faltar. Nada nessa vida dura para sempre e uma forma de se preparar para as perdas é abdicar delas por um tempo. Uma espécie de treino para que tenhamos mais resistência para lidar com o tempo em que elas efetivamente faltem.

Seja como for, essa lição já perdemos. Mesmo para um estóico muito empenhado, essa não foi uma prática exequível contra a pandemia. Como conceber a perda de coisas que considerávamos óbvias e imutáveis como a liberdade de trabalhar, socializar e viajar. Ou a existência de escolas, creches e lojas?

Olhe para outro lado

Entretanto, uma vez que perdemos essa primeira lição estoica, qual seria a próxima? Parar de olhar para o que foi perdido e o que falta, e focar no que ainda resta. No início foi enlouquecedor o número de informação e contra-informação sobre o vírus. Agora o mesmo acontece sobre as vacinas. Os relatos de efeitos adversos das vacinas não pára de chegar e muitos já se arrependeram da primeira dose. 

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Crédito: Kieferpix | IStock

Dessa forma, acompanhe as informações, contemple as perdas, mas coloque o foco no que ainda não lhe foi tirado — se você teve sorte —  a sua própria saúde, a saúde de entes queridos, a capacidade de se conectar e se comunicar com amigos e familiares. Em seguida, adicione outras pequenas coisas que tomamos por garantidas — mas que não são — como uma caminhada na natureza e o ritmo lento da vida dentro de casa.

Você não controla

Porém, mais importante do que apreciar o que se tem, os estoicos recomendam desviar a atenção das coisas que não podemos controlar. Exemplos de coisas que estão fora do nosso controle? Restrições temporárias à liberdade, políticas governamentais, estatísticas econômicas, número de novas infeções e índices de mortalidade da doença.

Não que você não deva se informar. Informe-se. Entretanto, o seu foco deve ser em coisas que estão no seu controle imediato, como as atitudes e comportamentos para minimizar as probabilidades de contágio — o isolamento social, evitar lugares fechados, higienizar as mãos, usar máscara. Essas são atitudes aparentemente simples, mas tem um efeito enorme no nosso bem-estar porque estão dentro da nossa esfera de domínio. Pelo menos essas, estão no nosso controle.

Eu primeiro

Ou seja, com um pouco de boa vontade, você vai notar que há uma infinidade de atitudes e comportamentos que estão no seu controle. Além do que boa parte da força para o enfrentamento do cenário turbulento vem dessa fonte. O autocuidado é mais outro exemplo. Alimentação saudável, prática de exercício físico estão totalmente sob o nosso controle. Logo, bastam alguns ajustes e criatividade é possível mantê-los intactos.    

pandemia

Crédito: Inside Creative House | IStock

Por fim, a saúde mental não pode ficar de fora. Primeiramente, diminua o consumo do caos e tristeza do noticiário e direcione a sua artilharia para a autoreflexão, a introspeção e práticas como a meditação. Acima de tudo, elas são outras ferramentas que ajudam a manter a lucidez e a mente sã. Logo, com essa blindagem você perceberá que nem tudo está ruim. A desaceleração do mundo pode ser um bom ambiente para um olhar para nós mesmos, nossos valores e a coerência com a vida que levamos. Um exercício que pode trazer muita satisfação para a vida.

Que futuro?

E, por último, mais uma lição estoica: a nossa relação com o futuro precisa mudar. Logo, indignar-se com a vida que se apresenta — pelo menos sobre a pandemia — é inútil. Entretanto, essa postura só é saudável se você abraçar os aprendizados do passado e do presente. O não foco no que está fora do nosso controle, não significa ignorá-lo. Tudo o que aconteceu e acontece deve ser encarado como aprendizado — não os desperdice. Nesse sentido, quando chegar a hora, eles poderão fazer parte das armas necessários para a construção do futuro. Porém, ser incapaz de prever o amanhã  não é de todo ruim. Também pode ser libertador. Na verdade, ninguém sabe nunca o que vai acontecer. O caráter inesperado da vida sempre nos ultrapassa.

Acima de tudo, o estoicismo nos previne das armadilhas do excesso de positivismo (já tratado aqui neste espaço). Ao manter o pior que pode acontecer em nossas cabeças, dizem os estoicos, ganhamos imunidade contra o desespero. Somente visualizando o mal poderemos verdadeiramente apreciar o bem. A gratidão não existe quando consideramos as coisas como garantidas. E é precisamente, a gratidão que permite renunciarmos com alegria ao controle de um mundo que, na verdade, nunca iremos controlar.


Margot Cardoso (@margotcardosoé jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 18 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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