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Analógico e digital
Stephen Monterroso | Unsplash
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Você não tem a menor ideia, mas está prestes a se meter em uma confusão! Tanto que, se achar melhor não entrar nessa, caia fora daqui agora mesmo e nem continue a leitura desta coluna. A confusão é causada pela inconsistência semântica relacionada à palavra “analógico”, que traz no seu radical o conceito de “analogia”, e a palavra “digital”, que em seu radical remete aos dedos da mão. Por outro lado, se você encarar a inconsistência de uma vez, pode acreditar que o seu entendimento deste mundo, dito cada vez mais digital, vai ficar mais fácil. Ou, pelo menos, mais consistente.

Como definir analógico e digital? Melhor começar com um conceito para depois ir ao outro.

A palavra “analógico” remete a uma analogia. Daí, é bom entender com clareza o que é uma analogia. De uma forma simples e direta, podemos dizer que duas coisas são análogas se elas têm alguma semelhança entre si. Como estas duas maçãs da ilustração, que apesar de diferentes, são bem análogas.

Duas maças análogas. (Foto: Creative Commons)

Esta semelhança, quando aplicada ao mundo das medições, funcionou muito bem. Por exemplo, comparar a semelhança entre o deslocamento dos ponteiros do relógio e a passagem do tempo definiu que enquanto estes ponteiros se encontravam sobre o número doze, seria meio-dia caso o sol estivesse brilhando ou meia-noite caso o céu estivesse escuro.

A mesma analogia se aplica ao termômetro, pois o deslocamento da coluna de mercúrio sobre uma escala não é a medida da temperatura em si. É a medida de uma analogia entre a quantidade de calor que chega ao bulbo do termômetro e o que ela consegue projetar com a dilatação do mercúrio sobre a escala. Com a balança, é a mesma coisa.

Está complicado? Pois vai piorar! Mas depois melhora. E se você já veio até aqui, não dá mais para voltar. Vai em frente…

O digital, na origem

Entender de onde vem o termo “digital” passa por uma viagem! Mas, tal como fizemos com o analógico, vamos começar aqui dizendo que digital se relaciona com os dedos, através da raiz latina digitus. Afinal, os dedos eram usados para fazer contagens. E contagens eram medições.

Ter dez dedos disponíveis para contar e poder usar uma aritmética decimal, que também usa dez dígitos – de zero a nove – sempre trouxe um grande conforto para nós todos.

De origem árabe, o sistema de numeração decimal ou de base dez, consolidou seu uso principalmente depois que a sociedade se interessou a medir as suas riquezas acumuladas, a partir do final da idade média.

De repente, aparece uma novidade, trazida da Ásia, por um celebrado viajante veneziano chamado Marco Polo. E a novidade era um sistema de numeração que só tinha dois dígitos: zero e um. Um sistema de numeração com base dois. Na Ásia, operações comerciais, transações financeiras e demais medições eram todas feitas com este sistema de dois dígitos, o sistema binário. Neste momento, ainda que de forma inadvertida, a civilização ocidental pode ter cometido um de seus maiores erros históricos, ao rechaçar por completo a novidade trazida pelo Marco Polo dos confins do mundo. Afinal, por que adotar um sistema de numeração com dois dígitos, se já existia um outro aparentemente muito melhor, com dez dígitos? E, assim, o sistema binário foi simplesmente ignorado.

Portanto, chegamos até aqui com um conceito que explica o que é analógico, e dois sistemas de numeração: o decimal e o binário. A confusão começa a partir daqui!

Sinal analógico e sinal digital

Passam-se alguns séculos, a ciência e a tecnologia evoluem e promovem o aparecimento de máquinas que, mesmo sem contar com uma analogia de medida, mostram seus resultados de forma contínua. Provavelmente por conta da paronímia entre o analógico das línguas neo-latinas e o analog das línguas anglo-germânicas, estas máquinas passaram e ser consideradas sistemas analógicos. E esta confusão semântica serviu muito bem ao outro tipo de equipamento que, agora, mostrava os resultados em uma medição discreta: os sistemas digitais.

Assim, chegamos ao início do século XX com a possibilidade de uma evolução tecnológica baseada em circuitos analógicos e em circuitos digitais. Mas, na metade deste mesmo século XX, a invenção do transistor em 1946, promove uma enorme acelerada nos circuitos digitais e praticamente sepulta os circuitos analógicos, que usavam válvulas.

Portanto, na metade do século XX, consolida-se o conceito já modificado, que é usado para designar sistemas analógicos, mas que já nem precisa mais de demonstrar analogia com nada. Basta que suas medições sejam contínuas. Medição contínua é analógica e, em geral, elas são baseadas em um sistema de numeração decimal. A imprecisão semântica foi superada pela pragmática da linguagem.

O outro conceito, que descreve a evolução tecnológica da era contemporânea, o sistema digital, mostra os seus resultados de forma discreta.

Medição discreta é digital e, em geral, elas são baseadas em um sistema de numeração binário, aquele de zeros e uns. Bem aquele que o Marco Polo trouxe da Ásia no fim da Idade Média e que os sábios da época não deram bola. Que pena!

Pronto! Agora você sabe o que é analógico, o que é digital e a aritmética que está por traz de tudo isto. E da mesma forma que a semântica do que era analógico foi diluída no uso, a mesma coisa está acontecendo com o significado da palavra digital.

Viu como piorou? Mas, agora, só melhora.

O digital em uso

Lembre-se, digital vem de digitus, que quer dizer “dedos” em Latim. Mas, no momento, quando ouvimos esta palavra conectada a qualquer coisa, a última lembrança que nos ocorre é a dos dedos! Com o uso ao longo do tempo, digital se descolou da sua origem latina e ganhou vida própria. O termo digital hoje é muito mais descritivo da modernidade na tecnologia, da atualidade na condução de negócios e de comportamentos igualmente modernos. Para cada uma destas categorias, há um segmento de destaque.

Na tecnologia, o mundo digital evolui em novas direções. A mais recente delas é o “metaverso”, denominação que se dá para algo que vem depois e vai além do universo e que só pode existir em um ambiente digital.

Na condução dos negócios, a transformação digital virou uma questão de sobrevivência para muitas empresas que embarcaram na onda e em alguns casos nem sabiam para onde estavam sendo levadas. Mas estão andando por lá.
Quanto a comportamentos, atualmente para saber o que falar, o que fazer, o que dançar, o que cantar, até o que comer e no que ter fé, recorre-se a um conjunto de sinais de comunicação feitos com textos escritos, falados, imagens e sons, chamados mídias digitais. O mundo é todo digital. E não tem nada a ver com os dedos.

Leia todos os textos publicados na coluna de Fábio Gandour em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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