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Amor, Amor, Amor
Andres Molina
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Estamos no bar sentados um ao lado do outro. “Quero uma caipirinha, você me acompanha? Não, ocorre-me dizer. Mas, querendo ser gentil, uma boa companhia. Concordo, sem dar sinal de contrariedade. Afinal, ela tem-me transmitido alegria, vontade de se divertir neste final de dia. E eu correspondo com um sorriso, porque não sei exatamente o que dizer. Somos amigos há muito. Porém, acredito que seremos mais do que isso num futuro ainda distante, não hoje.

Estudámos juntos. Atrevo-me a dizer que crescemos juntos. Apenas três anos de convívio diário na escola secundária, onde nos conhecemos. Mas de lá para cá década e meia passou sem que nos tivéssemos visto e conversado mais do que uma vez. Ainda assim manteve-se inabalável a nossa cumplicidade, como agora o comprovamos.

Terá sido amor?

Se me perguntarem direi que a amei. Tal como hoje. Porque aprendi que a cumplicidade, o bem-querer e a admiração, quando somados, resultam em amor. Tenho seis irmãos, mais uma mãe e um pai. Hoje, mais dois filhos para amar. É muita gente para reduzir à exclusividade da união carnal, ao estar presente sempre, a considerações genéricas dos filmes de romances, o conceito de amor. Amo quando sinto qualquer coisa mais. E essa coisa a mais não se esgota em um único alvo — antes multiplica-se e ajusta-se por quantas opções houver.

Esta mulher sentada ao meu lado reservou há mais de uma década atrás o seu quinhão do meu coração. Por isso conversamos como se o tempo nos não tivesse mudado, que nem aqueles dois jovens pausados de mãos dadas na fotografia que guardo até aos dias de hoje. Se nos não amamos, o que nos uniu todo este tempo?

amor

Crédito: Greg Raines | Unsplash

Fomos felizes, sem pensar nisso

Nunca nos beijamos. Em momento algum nos declaramos. Sequer alimentei o desejo de lhe pertencer como namorado. Fomos amigos, e isso me bastou e assim ela me fez feliz. Só que agora, que a observo a gingar o corpo sentada na cadeira, olhar-me pelo canto do olho enquanto suga vagarosamente o líquido alcoólico pelo canudinho, com sorriso obsceno, penso em aproximar o meu rosto do dela, cheirar-lhe os cabelos, respirar junto à nuca, beijar-lhe. Lançar-lhe as mão à cintura, tatear-lhe o tronco. Dizer “vem para minha casa”, como quem anseia desvendar o amor sem as peças de roupa que o escondem com o corpo. Neste instante desejo-a. Mas não sou capaz, uma vez mais. Talvez porque o amor que lhe tenho não é o da consumação. Antes o da companhia, o da amizade, o da manutenção da felicidade. Por isso hesito. Deixo-me estar agradavelmente ao seu lado, sorrindo e conversando.

Por que é que se separaram?

Faço a pergunta. Ela hesita. Baixa ligeiramente a cabeça e deixa escapar, entredentes,

— porque a vida tornou-se cinzenta.

Não me ocorre outra coisa senão sorrir. Rio-me, sobretudo, do facto de nunca ter imaginado as relações sobre uma paleta de cores. Contudo, percebo que ela ainda se debate com a questão. E tanto assim é que me diz, forçando um sorriso no rosto: “vamos embora?”

Cá fora, confronto-a outra. Repito a pergunta, desta vez com grande assertividade e determinação. Ela, agora mais serena, abre a porta do carro, vira-se para mim, diz, numa voz quente e segura,

— porque sou lésbica.

E ela, como quem se aproxima para me dar um beijo de despedida, sussurra-me ao ouvido: “deves imaginar que jamais poderei ser feliz a viver com um homem, por mais que eu o ame”.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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