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Amizade entre homens
Fizkes | IStock
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Nunca tive dificuldade para fazer amizades. Apesar de me considerar uma pessoa tímida e mais introvertida, nos espaços em que participava eu sempre acabava me relacionando com uma ou mais pessoas. Gostava de brincadeiras e atividades coletivas. Eu fazia esportes, brincava de pega-pega, polícia e ladrão. E, ainda que nunca fosse o melhor, eu tinha habilidade suficiente para me divertir e me sentir confortável e satisfeito nessas atividades.

Isso fez com que para mim nunca fosse difícil fazer amizade com homens e participar dos grupos masculinos. Eu fazia parte dos times de futebol e basquete na escola. Na faculdade, joguei vôlei em competições universitárias. Saía com amigos depois da aula, nos finais de semana e viajávamos juntos nas férias e para competir em outras cidades.

No entanto, minhas amizades não se restringiam aos homens, eu também tinha diversas amigas. Diferentemente de muitos dos meus amigos, eu passava um bom tempo com as mulheres, saía com elas, conversava e ouvia suas histórias. Não me lembro de outros amigos que faziam o mesmo. Muitos tinham relações apenas mais superficiais com elas. Não percebia de forma consciente, mas de alguma forma eu buscava nas minhas amizades femininas aquilo que eu não encontrava com os meus amigos.

Os grupos de amigos

Em 2020, foi publicada uma pesquisa pela Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília, que foi bastante divulgada. Nela, foi evidenciado como são as interações entre os homens nos grupos de WhatsApp. Entre diversos achados importantes, a pesquisadora classificou o material que recebeu de alguns homens participantes desses grupos em algumas categorias. Tais como objetificação sexual das mulheres e pornografia; ser homem é não ser homossexual; homem é guiado por sexo e busca na mulher sua satisfação. E, ainda, deboche e cumplicidade em relação à violência contra a mulher.

Talvez para muitas pessoas, especialmente mulheres, tenha sido uma surpresa o resultado dessa pesquisa e o material que ela apresentou. No entanto, ainda que possa ter havido uma facilitação e intensificação no compartilhamento de determinados tipos de conteúdo. Com o surgimento da Internet e das redes sociais, esse comportamento era e é comum nos grupos de amigos.

Piadas machistas e homofóbicas, conversas sobre sexo em que a mulher é vista como objeto e uma estereotipação do que é ser homem eram padrões muitos comuns entre meus amigos. Entre tantas questões problemáticas que poderiam ser abordadas a partir dessa pesquisa, quero abordar aqui o silêncio entre os homens que tanto me incomoda e me incomodou.

O silêncio entre os homens

Nós homens aprendemos desde cedo a repudiar e menosprezar aquilo que é socialmente associado ao feminino. Somos condicionados a todo momento nos provar homens, porque somente assim sentimos que seremos aceitos pelos outros e poderemos pertencer ao universo masculino. Para isso, muitas vezes nos silenciamos para nos mantermos bem avaliados pelo grupo.

broderagem

Crédito: Nortonrsx | IStock

A renegação do feminino faz com que não apenas objetifiquemos a mulher e a consideremos muitas vezes inferior, mas também impossibilita a criação de um espaço seguro entre amigos em que se pode ser vulnerável e expor angústias, dificuldades e intimidades. Essa pressão para se provar homem faz com que as conversas e interações entre homens acabem se tornando mais superficiais e recheadas de gozações. Assim, os homens acabam se silenciando sobre seus sentimentos, sobre assuntos pessoais mais profundos, e deixando de conhecer de verdade uns aos outros. 

Melhor em algo

Lembro da ansiedade de estar em um grupo de amigos e sempre atento às minhas falas para que eu não fosse objeto de zoeira e inferiorização. Buscava revelar apenas minhas qualidades e feitos. Isso porque nos grupos de amigos é necessário se destacar como o mais bonito, o mais xavequeiro, bem sucedido, inteligente, engraçado. Enfim, mostrar que é o melhor do grupo em algo. Isso sem falar na dificuldade de demonstrar afeto pelos meus amigos. O que muitas vezes fazia por meio de brincadeiras e com o mínimo de contato físico.

Além disso, a necessidade de ser aceito pelo grupo e de provar a masculinidade, faz com que surja a cumplicidade entre os homens. Também conhecida como a broderagem tóxica. Eu não concordava com atitudes e comentários machistas e até misóginos de amigos, mas raramente externava meu incômodo. Uma vez que, quando o fazia, era alvo de gozações ou silenciamento.

Ressignificação da broderagem

Conforme fui crescendo e questionando a forma de expressão hegemônica da masculinidade, eu fui me afastando de muitos amigos. Encontrava-os apenas em almoços, bares, festas e outros espaços de confraternização. Mas as relações de verdadeira amizade, em que há escuta, afeto, abertura e aceitação plena, eu só nutria com mulheres.

Até que eu passei a participar de um grupo reflexivo de homens que, no dia 20 de julho de 2017, passou a se autodenominar de Brotherhood. Sim, no dia em que se celebra a amizade, nasceu oficialmente um grupo de homens que busca transformar a sociedade por meio de uma ressignificação da relação dos homens consigo mesmos, com as pessoas ao seu redor e com o ambiente em que vivem. Esse grupo adota no nome a vontade de ressignificar a broderagem para que ela se torne saudável.

Brotherhood e aprendizado

Aprendi e aprendo muito com os homens (e mulheres) que participaram e participam do Brotherhood. Deixei de a todo momento me preocupar em construir externamente uma imagem incrível do homem que sou, de ter que provar meu valor. Passei a demonstrar afeto genuíno por outros homens, expressando que os amava sem qualquer receio de julgamento. Aprendi que é possível cultivar relações de amizade com outros homens em que posso ser vulnerável e apontar falhas e atos preconceituosos sem constrangimento.

Sigo tendo facilidade de fazer amizades. Entretanto, hoje posso dizer que tenho amigas e amigos de verdade. Aprendi a me amar como sou por meio dessas relações e a gerar confiança e coragem para me expressar diante de atos que considero prejudiciais. Hoje há muitos grupos como o Brotherhood espalhados pelo Brasil e pelo mundo. Convido todos os homens a refletirem sobre suas amizades e a ressignificar a broderagem. Por nós mesmos, por eles, por elas, por todas as pessoas.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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