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A vida que vale a pena, segundo Nietzsche
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Para ele, o homem que não pratica o mal com medo do fogo do inferno, vale zero. Devemos encarar a vida como ela é.

O que faz com que um filósofo do século XIX seja recordista de memes na internet, hoje, 119 anos depois da sua morte? Suas ideias de superação individual — independentemente do contexto em que se vive — continuam a ter impacto para aqueles que refletem sobre a vida e, principalmente, para todos os pensadores que vieram depois dele. Essa atualidade faz de Nietzsche um dos filósofos mais estudados de todos os tempos, inclusive por filósofos.

E, a cada ano, aparecem mais livros, filmes e estudos sobre a obra de Nietzsche. Enérgicos e impactantes, alguns dos seus aforismos fazem parte da nossa cultura, como “aquilo que não te mata, te fortalece” ou “temos a arte para que a verdade não nos destrua”. A atualidade de Nietzsche extrapola o tempo e também as áreas de interesse. Ele, por exemplo, dialoga com os teóricos do Vale do Silício. Os magos do algoritmo buscam a inteligência artificial, mas deparam-se com a barreira da falta de conhecimento sobre como o homem funciona. No impasse, reconhecem que Nietzsche fez a pergunta fundamental: “como é possível a estupidez artificial?”. Se nascemos cheios de potencialidades, com os sentidos e a curiosidade aguçados, como é possível chegarmos a mediocridade?

Força psicológica

É preciso que se diga que a popularidade de Nietzsche vem mais da sua habilidade como escritor do que a compreensão da sua obra. A dificuldade vem do fato de que Nietzsche escreveu sobre conceitos complexos de forma direta, sem muita explicação. Muito erudito, para ele eram conceitos óbvios. A outra dificuldade é que a suas ideias não estão sistematizadas como em alguns filósofos, como Kant. Pós-moderno, Nietzsche atira para todos os lados — todos os seus livros falam sobre tudo.

O que abriu lacunas para interpretações equivocadas sobre as suas ideias, como o conceito de übermensch — que poderia ser traduzido por homem superior, super homem ou além do homem — que foi usado e abusado pelo regime nazista. Ora, a superioridade do homem reivindicada pelo filósofo não tem nada a ver com raças. Nietzsche referia-se ao homem psicologicamente forte. Ele clamava que o ser humano deveria enfrentar a vida de frente, sem muletas metafísicas, como a religião.

Para ele, o homem que não pratica o mal com medo do fogo do inferno, vale zero. Devemos encarar a vida como ela é. E o que devemos encarar? Que vamos morrer, que somos sós, que a vida é sem garantias e sem redes de proteção. E o que faz a grande maioria? Nega essa realidade. Recusa a vida porque não é forte o suficiente para suportar essa verdade, refugia-se covardemente em misticismos e promessas de paraísos pós-morte e engana a si próprio.

Você é niilista?

E aqui você pensará. Mas isso é ser niilista. Não acreditar em nada. Mas Nietzsche não é um feroz opositor do niilismo? É. Mas para Nietzsche aquele que adota crenças que não são verdadeiramente as suas, como a de uma religião ou de um grupo, também é um niilista. Ele vive de forma inautêntica, porque renuncia a si próprio em nome do céu, do estado, da família, da sociedade… O pensamento de rebanho — o caminhar com a manada —  é considerado um dos comportamentos mais abomináveis para Nietzsche. Segundo ele, uma outra forma de escravidão.

A indicação de Nietzsche é: não negue esta vida em nome de outra que está no além da vida. Construa a sua coragem, trabalhe para uma versão melhor de você mesmo. Esta vida é a única que vale a pena ser vivida. O ponto de partida é: faça um mergulho dentro de si e saiba muito bem o que você quer — desde o mais íntimo desejo até uma crença universal — e viva a sua vida a partir desses parâmetros.

O caminho é duro

E ironia do destino — apesar da necessidade urgente de percorrer o caminho para ser um ubermench — hoje está mais difícil. Primeiro porque nos dias que correm o homem é ainda mais emocionalmente fraco do que o que Nietzsche testemunhou. O psicólogo da educação Içami Tiba chama as duas últimas gerações de parafusos de geleia: não aguentam nenhum aperto. Isso ou aquilo não pode ser dito porque é ofensivo. E o contexto político e social é o pior possível. Os grandes problemas são maquiados. Nada pode ser discutido porque não é politicamente correto, porque é uma ideia de direita ou de esquerda. E a verdade? Não conta. A verdade é dura demais. A sociedade ataca ferozmente quem se desvia da narrativa oficial — mesmo que a realidade mostre o contrário. Os que tem coragem de dizer a verdade, de colocar o dedo na ferida, são ostracizados e tratados como material tóxico.

Deus morreu!

A morte de Deus anunciada por Nietzsche é uma paulada que dói até hoje na cabeça dos crentes. É verdade! Nietzsche, filho de um pastor protestante, era um feroz opositor da moral cristã. Para ele, os crentes de forma geral ­— não apenas os cristãos — não são bons (ou tentam ser) porque se preocupam com o próximo. Eles são bons porque têm medo de arder no fogo do inferno. Portanto, não é uma bondade genuína. É temor.

Nietzsche não vê sentido numa crença que nega a própria vida, sob a ameaça de terríveis punições e a exclusão da presença de Deus. Como é possível aceitar uma vida onde impera o medo, a culpa e o remorso? Nietzsche também combateu os falsos moralistas. Para ele, o indivíduo que não rouba porque tem medo de ser apanhado, não é moralmente correto. É só medroso. Por isso, ele propôs uma ideia de ética que dependia simplesmente da própria pessoa, da sua força interior — sem recompensas ou punições. Todas as ideias de Nietzsche clamam pela vida, são um convite para a vida verdadeira.

Atenção no caminho ou o Eterno Retorno

Não é a sucessão das estações do ano. É um convite para refletir sobre a vida que vivemos. Em muitos momentos você já se perguntou: “mas o que eu estou fazendo aqui?” ou  constatou: “Isso não tem nada a ver comigo!” Essas interrogações banais que surgem de vez em quando, Nietzsche dava muita importância a elas. No aforismo número 341 do livro Gaia Ciência, Nietzsche desafia para que você se imagine na seguinte situação:

“E se um dia, ou uma noite, um demônio te seguisse em tua suprema solidão e te dissesse: esta vida, tal como a vives atualmente, tal como a viveste, vai ser necessário que a revivas mais uma vez e inumeráveis vezes; e não haverá nela nada de novo, pelo contrário! A menor dor e o menor prazer, o menor pensamento e o menor suspiro, o que há de infinitamente grande e de infinitamente pequeno em tua vida retornará e tudo retornará na mesma ordem — essa aranha também e esse luar entre as árvores e esse instante e eu mesmo. A eterna ampulheta da vida será invertida sem cessar — e tu com ela, poeira das poeiras!” — Não te jogarias no chão, rangendo os dentes e amaldiçoando esse demônio que assim falasse?

Ou talvez já viveste um instante bastante prodigioso para lhe responder: “tu és um deus e nunca ouvi coisa tão divina!” Se este pensamento te dominasse, tal como és, te transformaria talvez, mas talvez te aniquilarias: a pergunta “queres isso ainda uma vez e um número incalculável de vezes?” (…)

Você ama a sua vida?

É essa a reflexão que Nietzsche pede para você fazer: um pedido urgente de avaliação da vida. A vida tem ciclos repetitivos. Estamos sempre presos a um número limitado de fatos que se repetiram no passado, acontecem no presente e se repetirão no futuro. Qual seria a sua reação se não houver mais nada além desta vida que retorna eternamente? Pavor ou alegria? Quais são as forças que precisam habitar um homem para que ele chegue ao fim de sua vida e diga: “mais um vez, por favor”. Eis a grande indagação da filosofia pela voz de Nietzsche.  Você ama a vida que tem agora a ponto de querer repeti-la infinitas vezes tal como ela é? Se não, faça alguma coisa. Trabalhe para que cada ato do seu dia seja com intensidade e alegria. Você ainda vai a tempo!

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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