
A senda mágica na Lituânia
- FOTOGRAFIA: Anastasia Dulgier | Unsplash
A presença do agora ao longo de uma ciclovia cheia de histórias e encantos
Há uma ciclovia cruzando a Lituânia. Acho que ela tem um quê de magia. Quando Jurga, amiga e anfitriã naquela estadia, me mostrou o mapa do país, eu me propus a avançá-la aos poucos – sozinha e sempre voltando à base, a casa dela na cidade de Klaipeda.
A cada vez que deixava o limite urbano e adentrava a ciclovia, um universo à parte me capturava. Nas primeiras pedaladas, eu já detectava a coexistência harmoniosa entre presença humana e natureza – algo de vínculo espiritual entre os dois.
Dizem que rituais pagãos aconteceram na Lituânia (que tardou a ser cristã) até o século 20. Pelos bosques, ao longo da via, brotavam cruzes e formas mitológicas talhadas em madeira; gente silenciosa enchia cestinhas de cogumelos; entre uma curva e outra, o chão da floresta podia virar areia. Surgia uma praia deserta, um solitário catando âmbar, o mar prateado.
No caminho, era comum o passado virar presente. Como quando meu pneu topou num pedaço de concreto – o gigante Memel Nord despertava de uma duna entre bosque e beira-mar. Atrás da porta de aço desse bunker de guerra, corredores sombrios e armas alemãs e soviéticas. Do telhado, junto da artilharia antiaérea, assisti ao pôr do sol entorpecida.
Um dia pedalei com mais força e entrei na Curlândia – faixa de areia que avança no Mar Báltico e dá no exclave russo de Kaliningrado. Suas dunas móveis, hoje domadas por pinheiros, atordoaram mercadores medievais que buscavam atalho. Ali, o vento uiva e retorce troncos. É preciso firmar a bike.
Teve a vez em que pedalei no encalço de um grupo levando tochas, que foi parar num pântano metido em brumas. Lá, as pessoas embarcaram em canoas e condenaram à fogueira figuras mitológicas de madeira montadas sobre a água.
Ordenaram abandonar questões passadas – chegava o outono. Quando voltei nesse dia, Jurga me serviu um peixe capturado na Lituânia no inverno, quando se arrisca a subir até a superfície congelada. Um banquete em homenagem àqueles que superam travessias. Ah, nos mapas oficiais, a ciclovia aparece cruzando os países bálticos e escandinavos e se chama EuroVelo10.
JULIANA REIS é uma viajante de coração inquieto em busca de histórias, pessoas, lugares e experiências que a modifiquem. Escreve mensalmente na edição impressa de Vida Simples
POSTS RELACIONADOS
-
Ser
A beleza bruta – e inesquecível – do Jalapão
Conhecido por suas belas formações rochosas e piscinas naturais de águas cristalinas, o Jalapão possui estrutura para acomodar bem todo tipo de turista
-
Conviver
Viajar faz bem à saúde
Além de estimular a criatividade e melhorar o humor, passar alguns dias longe de casa otimiza processos cognitivos, aumenta a imunidade e ajuda o coração
-
Conviver
Taipu de Fora: o paraíso baiano
Taipu de Fora: A praia no sul da Bahia é considerada uma das mais bonitas do Brasil

André Gusmão
Às vezes sinto que preciso dessa simplicidade, sair da rotina tecnológica e buscar o básico. Sempre excelentes esses artigos.