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Ser mais valioso: uma busca improdutiva
Tonktiti (IStock)
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Seu objetivo é gostar de si mesmo, aumentar a autoestima? Foque em melhorar a autocompaixão.

Na universidade onde cursei a graduação, os professores usavam um sistema comparativo para nos avaliar. Primeiro eles davam uma nota para cada aluno. Depois, colocavam as notas em ordem crescente, apenas 15% dos alunos recebiam o conceito A. Estar entre os 15% melhores não era tarefa fácil. Ainda mais porque se tratava da Universidade da Califórrnia, em Berkeley, uma das universidades mais seletivas do mundo. Para piorar, eu aprendi inglês poucos anos antes de chegar ao campus. Então, eu passei anos trabalhando triplicado, varando noites na biblioteca, estudando obsessivamente. As notas boas não eram apenas para manter a bolsa de estudos, eu precisava delas para sentir-me bem ao meu respeito. Eu sempre estudei por prazer. Mas na graduação eu estudava para provar para mim mesma que eu tinha valor.

Autoestima é a estima, ou seja, o sentimento de apreço e admiração, que sentimos em relação a nós mesmos quando nos julgamos positivamente. Ou seja, primeiro fazemos uma avaliação sobre o nosso valor enquanto indivíduos. E perceba que, se precisamos avaliar o nosso valor, já está subentendido que não temos valor intrínseco. Depois, temos uma reação afetiva que pode ser boa ou ruim, dependendo do resultado do nosso autojulgamento.

É impossível estarmos todos acima da média ao mesmo tempo.

E esse autojulgamento, não é tão individual quanto a palavra sugere. Para sabermos se temos valor, ou se somos bem-sucedidos, nos comparamos com o outro. Às vezes, essa comparação é direta, olhamos para o outro com a intenção de mensurar nossos sucessos e fracassos. Outras vezes, a comparação é indireta. Desejamos ser inteligentes como fulano e comunicativos como sicrano. Então internalizamos esses ideais e passamos a nos comparar com eles. Quando o resultado da comparação é positivo, a nossa autoestima aumenta. E quando não, a nossa autoestima diminui, mesmo que temporariamente.

Porém, é logicamente impossível estarmos todos acima da média, ao mesmo tempo. Mesmo que sejamos bons naquilo que é importante para nós, por definição, o lugar de destaque não comporta a maioria. Mas se não nos destacamos, ou seja, se somos normais, concluímos que tem algo de errado conosco. Precisamos sentir que somos especiais para entender que somos valiosos.

A busca por aprovação alheia

Uma das estratégias que usamos para aumentar nosso senso de valor próprio é fazer com que o outro nos valorize mais. Talvez o ecossistema que melhor retrate essa tendência seja o das redes sociais. Uma pesquisa constatou que 89% das adolescentes brasileiras compartilham selfies nas redes sociais com o intuito de receber a aprovação do outro. De fato, diferentes teorias a respeito da autoestima concordam que receber a aprovação do outro melhora, pelo menos temporariamente, a nossa autoestima. Roy Baumeister, um dos maiores pesquisadores contemporâneos em psicologia, vai ainda mais longe afirmando que a nossa autoestima existe precisamente para isso: monitorar a percepção do outro a nosso respeito. A explicação é a seguinte: o acesso a recursos necessários para a nossa sobrevivência — saúde, felicidade e sucesso — depende da aliança com o outro. Por isso, é de vital importância que os outros nos considerem parceiros desejáveis. Para nos ajudar nesse intuito desenvolvemos ao longo da evolução da espécie um sistema que monitora a percepção do outro ao nosso respeito. Este sistema funciona de forma automática, mesmo sem que tenhamos consciência. Ele Chama-se autoestima.

Autoestima ser valioso

Alisa Anton (Unsplash)

Autopromoção baseada em fatos irreais

Para Baumeister, a autoestima seria uma espécie de termômetro, ou melhor, sociometro. Quando percebemos que o outro nos valoriza, a nossa autoestima aumenta. Quando percebemos que somos rejeitados ou excluídos, a autoestima diminui. De acordo com a teoria, a diminuição da autoestima ocorre para sinalizar a diminuição do nosso valor social e o desconforto que sentimos existe para motivar comportamentos que reestabeleçam nosso valor. Ou seja, se a jovem posta uma foto sem retoques e sem filtros e não recebe a mesma aprovação social de seus pares, a autoestima dela diminui. Este desconforto a respeito de si mesma motiva comportamentos que aumentem o seu valor social. Ou seja, ela passa a retocar as fotos. Se ela consegue um feedback positivo com a foto retocada, ela se sente bem a respeito de si mesma, repetindo esse comportamento. De fato, a pesquisa brasileira nos conta que 84% das jovens aplicam filtros e 78% escondem ou modificam partes do corpo que não gostam antes de postarem fotos nas redes sociais.

A exaustiva busca pela perfeição

O problema é que quando o nosso senso de valor está baseado em uma imagem que não condiz com quem realmente somos, nos sentimos mais inseguros. Supervalorizamos a imagem que vendemos, e passamos a nos comparar com esta imagem idealizada. Quando percebemos que não somos tão inteligentes, bonitos, felizes ou bem-sucedidos quanto gostamos de parecer, nos sentimos inferiores. Fica cada vez mais difícil gostar de quem somos e como somos de verdade. A autoestima sofre como consequência dessa comparação. 

Em vez de alterar a nossa imagem, uma outra forma de melhorar a autoestima é esforçar-se para ser perfeito — ou chegar o mais perto possível deste objetivo. Viramos escravos dos padrões sociais e dos nossos ideais fantasiosos. Passamos uma vida correndo atrás do prejuízo. Trabalhamos dobrado para sermos reconhecidos como referência em nossas atuações. Fazemos dietas pouco saudáveis para parecermos saudáveis. Recorremos a cirurgia plástica e aos mais loucos tratamentos estéticos como se a juventude fosse um bem de consumo. Quando conseguimos o aplauso do outro, a autoestima aumenta e temos a sensação de que conseguimos conquistar nosso objetivo. Porém, o trabalho necessário para chegar nesse lugar de destaque é também condição para manter-se nele. Ou seja, se o seu objetivo é não ser superado por ninguém, o trabalho dobrado, o não envelhecer e passar fome serão constantes na sua vida.

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Afif Kusuma (Unsplash)

Diminuindo o valor do referencial

Sustentar o lugar de destaque dá muito trabalho. A não ser, é claro, que você consiga diminuir o valor do referencial a que você se compara. Por isso é comum desmerecermos a concorrência e o sucesso do outro para nos sentirmos melhores. Pesquisas mostram que as pessoas preconceituosas tendem a ter uma autoestima mais elevada. A razão de sentirem-se melhor em relação a elas mesmas está no fato de que consideram o grupo a que pertencem superior aos demais. Ou seja, as pessoas preconceituosas se sentem superiores quando se comparam com quem diminuíram. A busca pelo sucesso e destaque nos divide e nos faz piores.

Para além da autoestima

Uma pesquisadora da Universidade do Texas ficou conhecida por apresentar uma solução diferente para a nossa dificuldade em ter apreço por nós mesmos. Para Kristin Neff, a solução não está em aumentarmos a nossa autoestima, mas em desenvolvermos a autocompaixão. Diferente da autoestima, a autocompaixão não envolve um autojulgamento ou a tentativa de definir o valor e a essência de quem somos. Autocompaixão envolve o reconhecimento de que todos nós falhamos, erramos e nos sentimos inadequados em alguma medida.

Ou seja, nossos erros e defeitos são prova de que somos humanos e iguais aos demais, e não inferiores. Na autocompaixão, o respeito que sentimos por nós mesmos vem do reconhecimento de que estamos fazendo o nosso melhor para lidar com dificuldades que não escolhemos e que, na maioria das vezes, não controlamos. É sobre honrar a nossa coragem de enfrentar todos os dias as dificuldades inerentes à nossa natureza. Por esta perspectiva, conseguimos ser gentis e acolhedores conosco, independente de estarmos vivendo uma vida de sucesso ou dificuldades.

De fato, as pesquisas mostram que a autocompaixão está relacionada à felicidade e ao otimismo e produz mais resiliência emocional do que a autoestima, reduzindo ansiedade e depressão. E se você já se convenceu de que precisa de mais autocompaixão, saiba que é uma habilidade que pode ser aprendida. Um bom primeiro passo é falar consigo mesmo como você falaria com seu melhor amigo.


Adriana Drulla é Mestre em Psicologia Positiva pela Universidade da Pennsylvania (EUA) e pós graduada em Terapia Focada em Compaixão pela Universidade de Derby (Inglaterra), onde teve como mentores Martin Seligman, psicólogo fundador da psicologia positiva, e Paul Gilbert, psicólogo criador da Terapia Focada em Compaixão. Semanalmente fala sobre psicologia e mente compassiva no podcast Crescer Humano.

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