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4 lições de vida que aprendi com os Huni Kuin na Amazônia
Rodrigo Kugnharski | Unsplash
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Imagine pegar um avião do Rio de Janeiro até Rio Branco, capital do Acre. Depois, um outro avião bem menos, por pouco mais de 1 hora, até a cidade de Jordão. Em seguida, subir de barco pelo Rio Jordão por 12 horas até chegar próximo à fronteira com o Peru.

Foi assim que o meu 2022 começou e hoje eu vim compartilhar com você o que eu aprendi nessa expedição. Bora?

Encontro marcado

Em dezembro de 2021, depois de tentar vários lugares para fazer o retiro de final de ano da equipe, minha assistente, Renata, conseguiu fechar com um lugar incrível: a Aldeia Akasha, em Itaipava, no Rio de Janeiro.

Foi ali que eu tive a oportunidade de me aproximar das culturas Huni Kuin e Yawanawá. O retiro, que foi de uma semana, nem tinha terminado ainda e eu já estava com tudo programado para participar de uma expedição de 15 dias pela Amazônia para conhecer três aldeias Huni Kuin ao longo do Rio Jordão.

O meu objetivo: levar um pouco do meu conhecimento de Ayurveda e aprender muito sobre a medicina da floresta. Mas eu aprendi muito mais do que isso.

E escolhi quatro desses aprendizados para compartilhar com você agora.

O tempo é outro tempo

A primeira coisa que eu aprendi com os Huni Kuin é que o tempo, lá, é outra coisa. O tempo é o tempo da floresta. Nada acontece no horário que você marca. O horário da floresta não é o horário do relógio.

Então, a gente marca de se encontrar em tal lugar, às oito da manhã. Mas pode ser que isso só aconteça às 10h. E tá tudo certo. Ninguém fica preocupado olhando para o relógio ou ligando para saber por que a outra pessoa atrasou. Até porque lá não tem sinal de celular.

Tinha umas cerimônias que aconteciam quase diariamente. E eles diziam: vai começar às nove da noite. Só que não é nove da noite do seu relógio. O tempo não fazia diferença nenhuma. Eles falavam às nove e a cerimônia podia começar à meia noite.

No primeiro dia, a sensação que dava é que a gente estava atrasado, mas aos poucos essa sensação foi mudando. Aos poucos, cada vez mais parecia que era o relógio que estava errado. Porque o tempo lá é outro tempo.

Na Amazônia, o tempo dos eventos acontece no horário que as coisas têm que acontecer. É um tempo mais fluido, mais conectado.

Na nossa sociedade, a gente é muito orientado pelo relógio. Eu, por exemplo, sou guiado pelo meu calendário. Realizo muitas coisas pelo Vida Veda, como médico, empresário, viajando… Então, para ser muito eficiente, acabo vivendo muito regrado pelo meu calendário. Isso significa que o tempo, para mim, é muito importante.

Sou muito cuidadoso com o horário porque considero que o tempo é um dos recursos mais importantes que a gente tem. Existe uma série de conceitos que fizeram com que, ao longo da minha vida inteira, eu tivesse uma relação muito precisa com o tempo.

Lá, eu fui vendo que a gente marcava um horário para começar e nunca começava no horário marcado. E o que acontece quando você chega às 8 da manhã porque tinha algo marcado e esse algo não começa? As pessoas olhavam para o céu, para o mato, puxavam um violão e começavam a cantar ou simplesmente observavam a natureza, o que é muito delicioso.

A pessoa que estava fazendo o café da manhã, por exemplo, não parava e dizia “olha, o café vai atrasar 15 minutos”. Isso não acontecia. O café da manhã ficava pronto quando ficasse pronto e ninguém sabia se ia ser 10h ou 11h. E até lá, a gente ficava ali numa boa.

Eu achei muito interessante porque não tinha aquela pressão de tempo que eu estou acostumado a sentir. A pressão do compromisso, de que o tempo é algo opressor, limitante não existia.

Esse foi o meu primeiro grande aprendizado. Não estou dizendo que a partir de agora você tem que ser como os Huni Kuin. Não estou idealizando essa experiência. Só foi algo que me impressionou bastante e que eu achei válido compartilhar com você.

O que eu posso te dizer é que essa perspectiva nova sobre o tempo me tocou de alguma forma. Me fez repensar meus valores. Talvez te inspire a repensar os seus.

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O espaço é outro espaço

Se o tempo é outro tempo, o espaço também é outro espaço. O que isso significa?

Na Amazônia, existem maneiras de ocupar e habitar o espaço que são totalmente diferentes do que a gente está acostumado.

A gente chegou na Aldeia Novo Segredo e eu fiquei na casa do professor da aldeia. Imagine um quadrado de 9m², talvez um pouco mais. Tudo organizado no formato de palafita, afastado do chão. Essa era a casa dele.

Diferentemente da maioria, a casa do professor tinha dois andares. O andar de baixo não tinha parede, eram só palafitas e uma base de chão. Você via tudo em volta. O que diferenciava dentro e fora de casa era estar nesse piso elevado.

No segundo andar tinha parede sim. Acho que o segundo andar tem parede por uma questão de segurança, para evitar que as crianças caiam, mas não cheguei a perguntar sobre isso.

Então como eu dormi? Dormi em uma rede, como aconteceu em todas as aldeias por onde passei. Eu amarrava a minha rede em um lugar, vinha outra pessoa e amarrava do lado, e assim a gente dormia. Não tinha sala de estar, cozinha, quarto…

Essa ocupação livre do espaço, sem formas fixas, sem limites claros, foi muito impactante para mim. Quase não tinha dentro e fora.

No meio da floresta amazônica, longe de tudo que eu conhecia, me sentia absolutamente integrado com o ambiente. A floresta fazia parte da casa.

A vida é outra vida

Ao longo da minha vida, tive o privilégio de viver em comunidades diferentes, em culturas diferentes. Eu já morei na China, no Tibet, no Nepal, na França, na Índia, na Alemanha, em Portugal e agora estou de volta ao Brasil.

E o que acontece com a gente quando a gente vive dentro de uma cultura? Normalmente, a tendência é achar que a maneira que você vive é a única maneira como se pode viver.

Entende a diferença? A gente tende a achar que a maneira como a gente vive é a maneira “certa” de se viver. E não é.

Os Huni Kuin me relembraram que a vida não é de um jeito só. Existem várias maneiras de se viver. E na Amazônia, foi a maneira mais diferente que eu vivi até hoje.

Quando você se coloca em uma situação muito diferente, pode perceber que a sua maneira de viver talvez não seja a única maneira. Não quero dizer que a minha maneira esteja errada e a deles esteja certa. São só seres humanos que chegaram a conclusões diferentes enfrentando os mesmos desafios. Os Huni Kuin encontraram soluções totalmente diferentes, como a casa diferente, os horários, o jeito de comer…

Quando eu convivo com culturas totalmente diferentes das minhas, elas abrem uma frestinha de questionamento das minhas certezas, dos meus conceitos. E quando eu falo sobre essas experiências, a maioria das pessoas reage quase de imediato: “ah, mas eu não viveria desse jeito” ou “como as pessoas conseguem viver assim?”

Outras pessoas, mais cansadas da forma como têm vivido, me disseram algo como “ah, essa é a melhor maneira de viver” ou “como eu queria uma vida dessas… quem me dera”.

Na verdade, eu não concordo com nenhuma dessas duas perspectivas. Não acho que tem um jeito melhor e outro pior. Tem um ditado que diz que a grama do vizinho é sempre mais verde do que a nossa. Eu lembro disso e tento nem idealizar a maneira como os Huni Kuin vivem, nem rejeitar nada.

Eu não acho que o jeito do Rio de Janeiro é melhor, nem que o jeito da Amazônia é o melhor. Eu vejo todas essas perspectivas simplesmente como aprendizados.

Se você mora na Amazônia, à beira do Rio Jordão, a maneira com que eles vivem é muito interessante. Se você mora no Rio de Janeiro, a maneira pela qual o pessoal vive lá também é muito interessante.

Então o meu terceiro aprendizado é que existem muitas soluções possíveis para o mesmo problema. E isso me permite olhar para a minha realidade e pensar: quando eu resolvo um problema, a minha solução é apenas uma entre inúmeras soluções possíveis. Ela não é, nem de perto, a única solução.

Isso abre um espaço de humildade muito grande, de oportunidades, e me leva a refletir se o que eu estou fazendo hoje é motivado por costume, por conveniência, por crenças limitantes. Não consigo deixar de questionar se existiriam outras formas de lidar com a mesma realidade.

E aí eu trago esse questionamento pra você também. Será que você não está fazendo o que faz por costume, achando que já encontrou “o jeito certo”? Será que não vale a pena considerar que esse seja apenas “um jeito” de fazer e buscar expandir seus horizontes?

A gente é muito mais resiliente do que parece

É impressionante que, quando a gente está em um lugar de mais natureza, como a Amazônia, o nosso instinto de sobrevivência fica muito mais forte.

Eu nunca estive em um lugar onde a sobrevivência fosse tão difícil quanto na Amazônia. A Índia não foi, na minha experiência, tão difícil quanto viver na Amazônia com os Huni Kuin. A floresta não está nem aí para as suas preferências do dia a dia. Ela é muito mais inflexível.

A gente começa com muita precaução e medo. Mas, pouco a pouco, vai entrando em contato com um lugar de ser humano que num espaço urbano você não precisa acionar.

É um sentimento de “a gente está junto e não tem para onde correr”. Nessa hora, a gente vê como o ser humano é muito mais resiliente e capaz de lidar com adversidade do que a gente geralmente pensa.

Isso traz uma fortaleza, uma renovação das nossas capacidades. E também mostra que às vezes, os desafios que parecem insuperáveis, nem são tão difíceis assim. Você só precisa relembrar sua resiliência natural.

Você tem como antepassados seres humanos que sobreviveram a guerras, a Era do Gelo, a pandemias diversas. Você tem essa força e essa capacidade de sobrevivência correndo pelas suas veias.

Esses foram alguns dos aprendizados que tive durante meus 15 dias com o povo Huni Kuin. Espero que esse conhecimento também te ajude a entender que existem muitas formas de experimentarmos o tempo, o espaço e a vida.

Abraços e lembre-se sempre: SAÚDE É LIBERDADE!

Veja também: todos os textos da coluna de Matheus Macêdo em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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