Quando perdemos quem amamos…
Diante da inevitabilidade da morte, permanecer em paz com os afetos e reconhecer o amor que fica pode ser o maior gesto de cuidado

Foi na sexta-feira, 13 de junho, que minha madrinha fechou seus olhos para sempre. Quem lê as news de domingo há algum tempo, sabe que ela estava em terminalidade – um câncer metastático e muito agressivo, que não abriu brecha para qualquer tratamento entre a descoberta e a partida. Eu acordei sentindo que aquele poderia ser o dia. Não por qualquer habilidade sobrenatural, mas por acompanhá-la todos os dias e reconhecer que ela já estava em fase ativa de morte. Parece um nome estranho, mas é um termo usado na medicina para descrever a fase final do processo de falecimento, quando há mudanças fisiológicas no corpo, como a falha de funções vitais. Minha madrinha usava sonda urinária, gástrica e balão de oxigênio. E tinha acabado de entrar na morfina. Um corpo frágil e forte ao mesmo tempo.
Desmarquei algumas reuniões do dia e corri para o hospital. Queria estar com ela. De mãos dadas. Sempre penso que se eu, como familiar, estou com medo de perdê-la, como ela está se sentindo sobre sua própria partida? Como canta Gilberto Gil, “Não tenho medo da morte/Mas medo de morrer, sim/A morte é depois de mim/Mas quem vai morrer sou eu”. Eu não sei quão consciente ela estava sobre o seu fim na Terra. E, apesar de dolorosa como é qualquer partida, também havia beleza. Como as pessoas amadas que passaram por ali naquele último dia, sem saberem que era o último dia.
Fiquei um tanto quanto pude. Quase não tive sede, nem fome. Só me dei conta de que não havia almoçado quando estava indo embora, às 18h. E cheguei 8h. Era quase 20h quando meu irmão e minha cunhada estavam a caminho do hospital quando souberam que o limite de visitantes daquele dia já havia sido preenchido. Mas, diante da terminalidade, a médica liberou a entrada deles. Minha cunhada e meu irmão fizeram uma oração e disseram que ela poderia ficar tranquila. Que tudo aqui seria cuidado. Os filhos (mesmo já na meia idade) seriam bem amparados pela família; a casa, que ela tanto gostava, se manteria limpa. E, então, ela descansou.
Com cada pessoa que parte, também vai embora uma parte nossa. Aquilo que éramos para esse alguém enquanto compartilhamos juntos a existência. Com a minha madrinha, foi embora o que eu era pra ela. A afilhada querida. Eu nunca fui de pedir a bênção, mas sei que ela sempre me abençoava, porque me olhava com amor. Mesmo debilitada, marcou salão, preparou um vestido bonito e esteve no meu casamento. Com entusiasmo. Para me abençoar.
Naqueles últimos dias, eu disse “te amo pra sempre”, porque o amor perdura mesmo depois do fim. Afinal, o que é o fim? Hoje, entendo que mesmo aprendendo a conviver com as ausências, há uma parte de quem amamos que sempre permanece em nós.
Não há como salvar quem amamos de seu próprio fim. Mas encerrar cada dia com a sensação de que fizemos o que podíamos e que estamos em paz com nossos afetos é o que me conforta, é o que eu pude, amorosamente, fazer.
Essa semana, sonhei com ela. Eu tinha uma discussão com um familiar, enquanto minha madrinha me observava, compassiva. Me acolhia com seu olhar. Em diversos momentos, ela fez isso por mim. E essa parte dela sempre vai me habitar.
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