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Por que não toleramos a espera?
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O ato de esperar é uma fonte de angústia, mas também pode ser uma oportunidade de reflexão e um vislumbre de novos caminhos.  

criancas

Há quem deteste esperar e também deteste ser esperado. Há quem deteste esperar pelo outro, mas não se importa que o outro espere. Mas esperar mesmo, ninguém gosta. Nem pessoas, nem acontecimentos. O francês Roland Barthes (1915-1980) em Fragmentos de um Discurso Amoroso, assume a espera como o principal tormento do ato de amar. “Quem ama é aquele que espera (encontros, telefonemas, mensagens, voltas)”.    

Para ele, a semelhança de uma peça de teatro, a espera tem uma cenografia, um tempo e três atos. Começa a peça: o prólogo. Lá estou no café. Olho o relógio, constato e registro o atraso. Solto a angústia que existe em mim, afinal, espero. Tem início, então, o primeiro ato. E ele é todo ocupado por estimativas. “Será que houve um mal-entendido sobre a hora? Ou sobre o lugar”? Procuro me lembrar quando o encontro foi marcado, os detalhes que foram combinados. Será que aconteceu alguma coisa? O que fazer? Mandar uma mensagem? Mudar para o café vizinho? E se o outro chegar durante essa ausência? 

Adiante. Passamos ao segundo ato, a cólera. Dirijo acusações violentas ao ausente. “Puxa vida, bem que ele (ela) poderia… Ele (ela) bem sabe… que falta de respeito para com o tempo dos outros”. O terceiro ato é a mais pura angústia: a do abandono, a da impotência. Num segundo, pensamos da ausência à morte. É como se o outro estivesse morto: explosão. Fico completamente lívida. Assim são os três atos da espera, a menos que seja encurtada pela chegado do outro.

Se ele chega no primeiro ato, a acolhida é calma; se ele chega no segundo ato, há “discussão”. Porém, se ele chega no terceiro ato, é o reconhecimento, a ação de graças: respiro profundamente. “É como sair do subterrâneo e reencontrar a vida… e com um fresco aroma de rosas”.  O drama segue nessa belíssima obra de Barthes, mas quem nunca?    

E aqui chegamos à realidade. Todos essas fases angustiantes captadas por Barthes passou a fazer parte do nosso cotidiano. Para cada um de nós, em 2020, esperamos. O número de novos infectados, de mortos. Esperamos notícias sobre a escola, a volta ao trabalho, as novas medidas do governo. Diariamente somos confrontados com a espera, desde a maior — a vacina — até a do anfitrião nos aceitar na reunião do Zoom ou do Teams. E sobretudo, esperamos pela “vida normal”.

Quero descer

Se você ficou surpreso com o drama de Barthes, você é um otimista. Há mais. Aquele que espera sente-se entediado, improdutivo, irritado, impotente, ansioso, deprimido, isolado. Afinal, é estar imobilizado, preso na condição daquele que espera.  Não é sem razão que muitos se esquivam das restrições e medidas de isolamento. Algumas vezes, você já deve ter vivenciado o quadro descrito por Barthes. Mas você já imaginou esse drama de forma permanente?

Passe-se a sofrer de ansiedade. E há milhares de pessoas nesse inferno. Em 2020, no Brasil e em vários países, o consumo de antidepressivos triplicou. Hoje estamos nunca condição muito pior daquele que espera num café. Lá, poderíamos simplesmente desistir do encontro e sair do cenário da incerteza. Não temos essa opção na pandemia, não há fuga possível.

Onde é a saída?

Há quem defenda que é possível contornar o mal da espera com exercícios de atenção plena, meditação, yoga…. Não é. Essas são ações que podem ajudar a controlar o estresse e abrandar o ritmo acelerado de vida. Aqui a história é outra. A espera você não escolhe, como a meditação ou o ano sabático. Ela não está no seu controle. A espera  não é escolhida, ela é imposta por outros. E, muitas vezes, vem de algo ou alguém que tem poder sobre você e impede o uso do seu tempo de acordo com a sua vontade. 

Se somos obrigados a fazer algo contra a nossa vontade, perdemos autonomia, uma das bases que sustentam o nosso bem-estar.  O “estar na mão do outro” é onde reside todo o mal. E todos conhecem esse mal, afinal, a espera é uma arma muito utilizada ​​por quem deseja exercer poder sobre o outro.

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Eu escolho esperar.

Podemos fazer alguma coisa? Podemos. De acordo com o prof. Jason Farman, autor do Delayed Response: The Art of Waiting from the Ancient to the Instant World (algo como Resposta tardia: A arte de esperar do mundo antigo para o mundo instantâneo). Farman acredita que podemos aprender a esperar melhor. A primeira ideia tem inspiração na filosofia estoica: ela pode ser resignificada. A espera — que também pode ser chamada de pausa — é uma parte importante do movimento e, também, sinônimo de potência.

Para dar um exemplo aristotélico: a semente comporta a potência de ser uma planta. A pausa da planta é a semente. A espera é um estado de latência, um tempo que precede a ação, o movimento do tornar-se algo. E, claro, a qualidade da pausa influencia a qualidade do movimento que vem a seguir, assim como a qualidade do período de espera da semente também ditará a saúde da planta. 

Quem ganha?

Depois desse novo olhar, busque uma visão do todo. Faça a pergunta “quem se beneficia com a minha espera”? Apesar de compulsória, às vezes, podemos ser o principal beneficiário com a espera. Por exemplo: podemos vê-la como uma forma de economizar dinheiro. Ter tempo para se preparar para algo melhor e maior. Podemos ter um ganho como pessoa, no aprimoramento da nossa personalidade, sermos capazes de exercitar a paciência, por exemplo. E devemos estar atentos aos bônus extras, já que uma pausa é terreno fértil para insights e ideias inovadoras. Mas atenção: esse fenômeno só acontece se superarmos a irritação da espera.

Mais um ponto positivo? A espera é uma oportunidade para escapar dos danos do mercado de trabalho. A ideia da alta performance, do “vestir a camisa” desumaniza e faz profissionais autômatos e estressados. É o sonhar acordado, o tédio, a ociosidade — proporcionados pela espera — que desbloqueiam os padrões repetitivos do cérebro e abre as portas para o conhecimento intuitivo e para abordagens inovadoras.  

Pense melhor!

E importante: fuja da crença de que a espera é um limbo, uma fase intermediária entre o pensar e o agir. Tendemos a achar que há um intervalo, um tempo vazio, entre o que estávamos fazendo e o que esperamos que aconteça a seguir. A espera pode ser um tempo de questionamento e reflexão. Será isso mesmo que eu quero para o futuro? É o que eu ambiciono? Como harmonizo o que eu desejo com os meus relacionamentos mais próximos? Aqui é uma etapa que vai além do autoconhecimento.

A espera — com os seus silêncios, lacunas e distâncias — permite-nos imaginar o que ainda não existe. Explorar o espaço da espera é como habitar um mundo novo, com mais consciência e menos superficialidade. Paramos de funcionar no automático. 

Um presente!

E, finalmente, chegamos a um botão que eu não canso de apertar. O tempo da espera nos puxa para o presente. Quando estamos em ação, não damos pelo tempo. Quando esperamos, o tempo é inevitavelmente perceptível. Na espera, compreendemos todo o significado do agora, temos todo o corpo estendido na realidade. É só na espera que realmente estamos no presente, o nosso, o único que existe.  

Com essa consciência, há grandes chances da espera não ser um fardo, mas um momento de aprendizado e conexão. Um tempo nosso, onde intuímos qual é o melhor terreno, a melhor estação; onde ganhamos impulso para o salto e abrimos os braços para o que ainda está por vir. 

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