Pode sonhar, mãe
Uma carta para a minha e todas as mães que se doam para os filhos todos os dias. Que elas possam resgatar e realizar seus desejos

Estou aqui no avião indo para a Argentina. Bastante cansado, é verdade, porque ainda estou me acostumando às viagens e aos novos horários – e já não sou mais aquele jovem que topava tudo sem ter consequências no ânimo. Porém, como sempre te digo, eu dou conta.
Hoje queria falar sobre você, mãezinha, e queria te dizer que você pode viver uma vida tranquila, sem se preocupar tanto comigo e com meus irmãos. Está tudo bem, você já trabalhou muito até aqui. Se dedicou, se doou, passou noites e noites acordadas, não só quando éramos pequenos, mas também ainda hoje, depois de grandes. Sei que fica com a cabeça cheia, porque continua querendo passar pelas nossas turbulências no nosso lugar.
Certo dia, sentados na escada do sítio, te perguntei quais eram os seus sonhos quando você era criança. Sua resposta foi muito difícil de ouvir. Você disse que não se lembrava dos sonhos que tinha. Afinal nem sabia que era possível sonhar. Eu fingi normalidade, confesso, mas fiquei espantado, porque você me ensinou que era, sim, possível sonhar.
Aliás, você me permitiu sonhar, você lutou para que eu sonhasse – mais ainda, para que eu realizasse meus sonhos.
Você era uma menina quando descobriu que eu estava vindo ao mundo e logo teve que deixar de pensar só em você para se dedicar a mim. Você ficou para trás, adiou seus desejos, para que eu pudesse ter o luxo que você e meu pai me deram.
A culpa que vem junto com a maternidade
Eu te perdoo mãe, porque sei que você se sente culpada por muita coisa, mas não tinha como você ter feito diferente. Você deu seu melhor, fez seu papel de forma brilhante. Agora que também tenho filhos, sei que, mesmo dando nosso máximo, sempre nos sentiremos culpados por algo, achando que poderíamos ter feito muito melhor. Não é fácil, mas pode deixar para trás qualquer peso. Está tudo bem.
Também renunciei a muita coisa para realizar meus sonhos, e um dos meus objetivos era que você pudesse ter a vida que deixou de ter quando eu cheguei, e que foi se enchendo cada vez mais de responsabilidades, compromissos, obrigações, preocupações – escolas, compras do mês, contas de água, de luz, antibióticos…
O que você quer ser quando crescer? Ainda dá tempo, sempre é tempo. Você segue sendo dura, fiel aos seus princípios, meio cabeça-dura, é verdade, mas resiliente, orando por mim e pelos meus irmãos. Então, eu não te peço nada mais. Já é muito. Agora é a sua vez, mãe. Pode sonhar.
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