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Parabéns por envelhecer: um convite a viver
(Fotos: Acervo pessoal) É impossível impedir a passagem do tempo, mas é possível valorizar os momentos
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Esse mês completei 33 anos!

Talvez eu queira compartilhar para chegar nos médicos que disseram que eu não tinha chances de sobreviver, que mesmo com um milagre não duraria muito e teria uma qualidade de vida péssima. 

Eu amo dados, mas não estatísticas, ainda mais as sobre meu corpo. 

Foram diversas as situações em que os médicos insistiam em me desanimar com prognósticos terríveis, ou até mesmo preferiam se limitar a dizer que eu nem deveria anda. Afinal, com 18 anos eu já tinha andado muito, na visão deles. 

Talvez seja pelo sistema ter se acomodado em uma lógica em que as pessoas delegam para os médicos a responsabilidade de te curar e resolver tudo por você, em especial com comprimidos mágicos que só te dão o trabalho de tomar eles. Mas para quem não quer remédios e não se encaixa em fórmulas prontas, dá mais trabalho mesmo. 

Talvez seja assim com todos os corpos e pessoas, mas o meu fica mais difícil de disfarçar e tentar encaixar em receitas padrões. Tive que descobrir e construir por conta o meu próprio caminho. 

Nesse processo aprendi sobre o passar do tempo, e o que o tempo faz com o nosso corpo – ou o que a gente deixa de fazer. Essa é uma outra grande vantagem de ter um corpo diferente: ter a certeza mais rápida e palpável sobre o envelhecimento. 

Eu sei, acabei de fazer 33 anos. Mas quando se tem uma perna só, quase nada de ossos em metade do quadril, se usa quase todos os músculos para fazer movimentos que parecem inconscientes, como andar ou ficar sentado. O corpo desgasta mais rápido e, em geral, ele grita! 

menina com a bandeira do Brasil na roupa, um bola na frente

Aniversário de 2002 teve homenagem ao penta da Seleção de futebol

Quando se envelhece?

Desde que você nasce, é como se você já tivesse com o cronômetro correndo e gastando a sua bateria de vida. Mas quando então se envelhece? Quando se começa a ter a sensação de ter menos tempo de vida pela frente do que o tempo vivido? 

Com a partida de pessoas próximas tão jovens, me lembro ainda mais de que não é uma questão matemática, apenas mais uma ilusão de previsão ou controle.
Eu sempre vi do avesso: o privilégio de estar ganhando, um dia a mais, na conta que não fechava para a medicina. Mas se a conta nem existe, estamos todos ganhando vida a mais, e não perdendo nada.

A perda existe para quem não está de fato vivendo.

Quantos anos mais vou andar?

Não sei quanto terei de mobilidade, por isso tendo a ter pressa na vida, como sempre tive em dizer sim para as oportunidades que me apareciam, de trabalhar, de escalar montanhas, de fazer trilhas, de desfilar sapateando em cima do carro alegórico, de surfar, de viajar. Nem toda pressa é boa, vira vício e, como diz o nome, pressão. Esse peso vira medo, de achar que não vai dar se não for logo… como poder fazer as coisas mais básicas para um filho, ou ter uma casa acessível quando eu não puder mais andar.

Na verdade podem acontecer muito mais coisas, e a qualquer pessoa, mas a gente simplesmente não pensa nisso. 

Não é sobre ser pessimista, pelo contrário, sou do time copo cheio. É sobre olhar de verdade, aceitar o que não se pode controlar, e se responsabilizar pelo o que está ao nosso alcance ao escolher conscientemente. Estar, enfim, em paz, de que aproveitou com presença cada momento.

Foi o que eu descobri em 2018 quando soube que, em 36 horas, faria uma cirurgia com grandes chances de amputar minha única perna. O que fazer nesse tempo que restava? Tinha muitas ideias, mas eu estava em paz com o que tinha vivido até ali e optei por seguir a rotina de acordar, trabalhar, e fazer as coisas consideradas mais banais. Quem já vive sem uma perna vive sem duas mais facilmente, foi o que pensei. Eu só queria sobreviver para viver. Essa paz não tem preço.

gabriela apoiada em um parapeito com prédios ao fundo

Muitas vezes, o tempo não deve ser medido, mas sentido

Sobre longevidade

Eu gosto de pensar na vida mais longe, ou melhor, na longevidade. E a vontade de viver com certeza é a primeira na lista de ingredientes para aumentar a vitalidade. Talvez seja isso que tenha me feito quebrar as estatísticas. 

A mídia tem falado cada vez mais sobre envelhecimento, mas sempre parece que é pra depois, quando começar a sentir os calores. Ou a prevenção agora, pelo medo, tentando congelar marcas, apagar cicatrizes, tomar fórmulas de ouro milagrosas e pintar o sete. 

Aceitar o envelhecimento é olhar com carinho e o quanto antes, mas sem se sentir velha e muito menos uma caricatura de desenho, mesmo com 33 anos. Posso sentir a mudança em minhas articulações, estar mais preocupada com o que me alimento e me nutro, física e emocionalmente.

É sobre reconhecer e ver os cabelos brancos, que além de serem meu troféu provando que cheguei lá, podem me indicar falta de alguma vitamina, por exemplo. Saber que nem tudo dá pra esticar e colocar botox, mas no que dá e a pessoa quiser tudo bem, o importante é não “ter que” nada.  

Valorizar o amadurecer para entender o corpo como portal e se sintonizar com a natureza que se transforma em nós, valorizar o tempo passando em si, o privilégio de ver a metamorfose cíclica, e se deliciar com as oportunidades que florescem. 

Aprender a viver os invernos e os verões, a pausa e a hora de voar. Se abrir para novas fases, explorar as possibilidades como uma criança descobrindo a vida, reconectar com nosso corpo, experienciar, degustar o melhor em cada ciclo. 

Reconhecer que certos tempos não se medem, mas se sentem dentro da gente.

Assim como o sol que se põe não pode ter a beleza comparada ao sol que nasce. 

Longevidade é se sentir em paz, vivendo, presente e consciente. Parabéns por viver de verdade mais um dia! 

O que seu corpo te diz por aí?

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