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Os anjos do caminho
Chastagner Thierry | Unsplash
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Os encontros e as pessoas que nos modificam, ao longo da nossa estrada, sem sequer nos darmos conta disso

A porta do metrô se abriu. Do lado de fora, ela fitava meus olhos assustados. Ignorava os empurrões da multidão. Cabelos brancos, cachorro no colo. Acenou um “siga-me”. Tentei acompanhá-la transpondo as escadas e me desviando das pessoas. Ela dobrou uma, duas, três esquinas e então parou. Apontou para o final de um beco: “Allez!” Lá estava ele… O único albergue com cama disponível na cidade. Passava das 21h, fazia frio e chuviscava. Tudo escuro já. Essa foi a largada para minha primeira grande viagem. Vinha de uma hora em pé dentro de um metrô em pane no subterrâneo de Paris. Penava, metida num casaco pesado, trazendo a mochila estufada com o desnecessário. Inexperiente, chorei discretamente. Quis desistir. Até que a porta se abriu na última estação nos limites da cidade e ela não deixou.

Meu primeiro anjo do caminho surgiu há anos e sumiu sem que eu pudesse agradecer. Sem seu estranho incentivo, eu não conheceria os outros. Teve o curandeiro que salvou minhas panturrilhas magoadas no Caminho de Santiago de Compostela. Como remédio de verdade, ele me receitou desapego do passado. Já Roar me hospedou nas ilhas Lofoten, na Noruega. Mal-humorado como ninguém, ele me ensinou a pescar e a limpar peixe. No país mais caro do mundo, consegui me garantir por dez dias apenas com o que o Oceano Ártico oferece de graça. Roar apreciava viajantes reais e afugentava (mesmo!) turistas reclamões ressentidos por estarem fora da zona de conforto.

Outro desses encontros foi com Valentina. Ela cuidou de mim nas 32 horas de uma intimidante viagem até a Ucrânia. Lembro também da motorista de ônibus no interior da França que notou meu banzo pelo retrovisor, parou no acostamento e disse: “saia, caminhe pela colina por quatro quilômetros e terá uma surpresa”. Segui as instruções. Entrei num vilarejo medieval e, naquela noite, me recuperei no quarto de um castelo só para mim.

Os laços que me unem a cada uma dessas pessoas se desfazem delicadamente com o tempo. Esses amigos são anjos no caminho. Aparecem nas viagens, ensinam, transformam e vão embora.

JULIANA REIS é uma viajante de coração inquieto em  busca de histórias, pessoas, lugares e experiências  que a modifiquem. Escreve mensalmente na edição impressa de Vida Simples

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