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“No meu tempo não era assim”
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A frase “no meu tempo não tinha disso” costuma me arrepiar os cabelos. Trabalhando com parentalidade, eu estudo as infâncias anteriores, nossos antepassados, e posso afirmar com alguma certeza que, apesar de termos tido comida com menos agrotóxico e brincado mais nas ruas e campos, não dá pra dizer que isso foi suficiente para formar pessoas mais ou menos equilibradas, que sabem resolver conflitos pacificamente, que sabem ouvir, que têm empatia e autorresponsabilidade.

Claro que algumas coisas devem ser celebradas: a necessidade de movimento da criança é real, e sim, nossa geração teve isso livremente. Correr na rua, empinar pipa ou papagaio, pega-pega, pique-bandeira, pião, esconde-esconde, transformar um papel amassado em bola, brincar de adoleta, fazer do chão uma lousa para escrever com giz, pegar fruta da árvore da vizinha, isso tudo foi muito maravilhoso e não quero diminuir seu valor – inclusive precisamos que tudo isso volte a acontecer.

As crianças de hoje estão emparedadas, presas em minúsculos apartamentos ou condomínios, com um apelo ao eletrônico e às telas que nunca antes existiu. A necessidade de movimento, de exploração livre, de mexer na terra e criar, imaginar, escalar, descer e subir, está seriamente prejudicada.

Porém, a primeira necessidade de qualquer ser humano é pertencimento. Se sentir acolhido, capaz, importante. Importante para quem? Primeiramente, para os pais. É na nossa primeira infância que as crenças sobre nós mesmos são formadas.

Quem sou eu, o que o mundo pode me dar, em que tipo de mundo estou inserido, se devo temê-lo, o que esperam de mim, o que eu preciso fazer para me sentir bem, como posso ser amado?  Os significados que damos a essas respostas é o que nos leva a agir como agimos na vida adulta.

Nenhuma geração antes da que estamos criando teve esse acolhimento incondicional na primeira infância, acolhimento esse que cria crenças positivas sobre si e sobre o mundo. Tudo se resumia a: colo estraga, amor demais mima, precisa preparar para a dureza da vida sendo duro com a criança logo cedo.

Nós, adultos, estamos colhendo hoje os frutos dessa sensação de incapacidade, não pertencimento e de que a felicidade está lá fora, nas mãos de algo ou alguém que me diz o que eu preciso fazer para ser aceita e amada. Essa educação dura tirou das crianças a ideia de que já são boas o suficiente, que podem ser amadas pelo que são, mesmo que errem.

A romantização da infância passada precisa ser discutida, para que a gente possa continuar com o que foi bom e mudar o que não foi tão bom assim, para que o mundo se torne mais leve, mais colaborativo e mais acolhedor. O mundo somos nós, afinal.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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