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Assumir que não sabemos ou entendemos algo é uma grande lição de humildade, que pode nos ajudar a ir além

Depois de um estudo bem conduzido, dois professores da Universidade de Cornell (EUA) apresentaram uma conclusão que é, ao mesmo tempo, interessante e preocupante: a de que os ignorantes costumam ter convicções mais fortes do que os sábios. Recentemente eu tive a comprovação disso. Tenho muitos amigos, de médicos a economistas, empresários, professores, motoristas, pescadores e marceneiros. Pessoas que cruzaram meu caminho e deixaram uma marca positiva. Alguns vejo com frequência, outros não, mas, quando nos encontramos, parece que foi ontem…

Todos têm alguma coisa a me ensinar. São pessoas com quem gosto de conviver. Com alguns, passo muito tempo, com outros, menos, mas isso é apenas o exercício da adaptação à personalidade de cada um, e à minha disposição naquele momento. O problema é que às vezes alguns espécimes dessas categorias diferentes se encontram, e aí alguns ruídos de comunicação podem acontecer. Foi o que ocorreu outro dia.

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Eu estava no táxi de um amigo, mas como passageiro, acompanhado de outro amigo, um economista importante. O que se seguiu foi bizarro, pois meu amigo economista estava me explicando os princípios do keynesianismo e sua oposição e, ao mesmo tempo, complementaridade com o liberalismo. Resumindo, até que ponto o Estado deve intervir na economia, e em que momento. Essa é uma discussão frequente em um país como o nosso, cujo modelo econômico ainda está em construção.

A ignorância gera confiança

Foi quando o motorista começou a dar sua versão de macroeconomia baseada na microeconomia, mais especificamente na microeconomia dele… Essa visão do macro a partir do micro não é exatamente uma visão equivocada, pois as pessoas partem de suas realidades, de seu contexto, para emitir uma opinião. O problema foi a forma. A convicção com que ele se referia ao que o governo devia fazer começou a tomar um rumo que, se por um lado era engraçado, por outro começou a se tornar inconveniente. Mas, afinal, pensei eu, quem nunca viu um motorista dar uma lição de economia para um economista, ou um palpite de estratégia para um técnico de futebol, ou um conselho de saúde para um médico?

Os professores Justin Kruger e David Dunning devem ter passado por coisa parecida e resolveram levar o assunto para a ciência. Conduziram algumas pesquisas com pessoas em várias áreas do conhecimento e profissionais e concluíram: “A ignorância gera confiança com mais frequência do que o conhecimento”. Pode parecer estranho, mas há uma lógica por trás disso. Quando uma pessoa é incompetente em determinado assunto, faz parte dessa incompetência não perceber a dimensão da própria incompetência. Faz sentido…

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Lembro quando um amigo, chef de cozinha, me explicou a receita de um suflê de espinafre. Saí daquela conversa cheio de confiança, com a certeza que repetiria aquele prato à perfeição. Santa ignorância… O que aconteceu foi um espetáculo de incompetência culinária. Como pude esquecer a imensa quantidade de detalhes, como a temperatura do forno, o tempo, a sequência, o tempero? Como pude achar que poderia fazer igual a um profissional?

Falsos especialistas

Bem que o Kruger e o Dunning avisaram. Minha confiança vinha da ignorância. Deixa que eu faço! Não faz, não, cara-pálida. Baixa a bola. Seja humilde. Esse assunto é tão sério que levou outro professor, o Tom Nichols, da US Naval College, e que é especialista em questões de estratégia e diplomacia, a escrever um livro que recebeu um título assustador: A Morte da Competência. Sua visão, que é uma espécie de alerta para todos nós, é que a internet, que permitiu o acesso de qualquer pessoa a qualquer assunto, teve o mérito de democratizar o acesso ao mesmo tempo em que provocou o aparecimento de “falsos especialistas”.

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O assunto é sério, pois vai bem além de criar falsos chefs domésticos que tentam fazer um suflê para impressionar a namorada. As informações sobre medicina, por exemplo, são tantas, e às vezes tão confusas e até incorretas, que podem provocar danos sérios à saúde das pessoas que tentam se automedicar, ou medicar alguém da família. O que muitos médicos dizem em vídeos rápidos só poderia ser interpretado corretamente por outros médicos, e não pelo leigo. Mas… não é incomum que as pessoas tenham ilusões do conhecimento, quando, na verdade, estão apenas cheias de informações, muitas vezes desconexas.

Estamos rodeados de experts?

O dado alarmante é que tem aumentado o desdém pelos peritos e pelas elites intelectuais em todas as áreas. Na administração, economia, ciências, saúde. Até o surgimento do populismo político teria essa origem. Antes dizíamos que todos somos técnicos de futebol. De repente há enólogos às mancheias, diplomatas ilustrados, chefs especialistas, economistas visionários, meteorologistas certeiros. Estamos rodeados de experts em tudo. Socorro!

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Eugenio Mussak já escreveu sobre muita coisa aqui na Vida Simples, mas insiste que sempre procurou as fontes certas. @eugeniomussak

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