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Livros para celebrar Clarice, Lygia, Nélida e Rita
Gülfer Ergin
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Assim que ingressei na faculdade de jornalismo, durante uma conversa longa com um amigo que muito me ensinou sobre livros, filmes e amizade, ouvi uma pergunta que mudaria o curso da minha graduação: “Se você pudesse entrevistar 5 pessoas, quem elas seriam?”.

Na época, Lygia Fagundes Telles e Nélida Piñon, além de vivas, tinham sido recentes descobertas e eu estava naquele delicioso estado de encantamento típico de quem encontrou alguém que, mesmo sem te conhecer, escreveu exatamente aquilo que você precisava ler. Então, respondi de pronto que gostaria de entrevistar as duas! Como boa aprendiz de pianista e amante de Chopin, o terceiro da lista era o Nelson Freire, um dos maiores intérpretes que o mundo já viu.

Sobre as duas vagas remanescentes, perguntei se poderia incluir alguém que já não estava mais no plano terreno. Com a permissão do meu amigo Daniel, que talvez leia este texto sem sequer lembrar do diálogo, incluí Clarice Lispector como quarta entrevistada hipotética e encerrei com Chico Buarque, uma presença constante nas minhas playlists desde o dia que a professora de História da sétima série mostrou “A Banda” e “Cálice” para uma turminha agitada tentando entender como uma ditadura seria algo possível, quando era tão obviamente um absurdo. Ah, como é bom ser jovem e tolo.

Arte que toca

Quando o Nelson Freire foi tocar piano para Clarice no céu eu chorei ouvindo Orfeo e Eurídice, uma música do Gluck que ninguém toca como o Nelson. Lembro exatamente onde estava quando recebi a notícia de que as muitas entrevistas imaginárias que fiz com ele nunca se realizariam. O mesmo aconteceu com a partida da Lygia, de forma ainda mais dura, já que muitos dos meus alunos chegaram até ela graças às minhas aulas.

A forma como vinham me confortar era digna de um conto bem escrito da dama da literatura brasileira, beirando o inverossímil. Quando Nélida, no mesmo ano de 2022, com apenas 9 meses de diferença, foi encontrar a amiga no céu das escritoras eu não chorei. Com o coração ferido por diversas outras dores, sorri pensando em como ela, o Nelson, a Clarice e a Lygia seriam eternos como todo grande artista que vive através da obra, pelos séculos dos séculos. 

Nos primeiros dias de 2022 fiz uma entrevista maravilhosa com a Teresa Montero, uma das maiores estudiosas de Clarice Lispector no mundo – além de uma mulher inteligente, agradável e divertida. E jamais consegui escrever sobre a nossa conversa, que durou quase duas horas.

Festa literária no céu

O mais estranho é que não existia um motivo, só nunca parecia ser a hora certa. Ao refletir sobre a morte da Lygia e da Nélida comecei então a me lembrar da conversa com Teresa. Deixo vocês então com uma palavra da autora e o desejo sincero de que “À procura da própria coisa: Uma biografia de Clarice Lispector” seja lida. É uma excelente maneira de conhecer mais sobre o contexto político e literário do Brasil, além de desbravar um universo quase inédito da vida pública e privada de Clarice, que pasmem, era amiga da Lygia, da Nélida e provavelmente teria amado ouvir o Nelson.

“É difícil explicar o que atrai tantos leitores até Clarice. Talvez a forma como ela expressa os maiores questionamentos universais com precisão. Não raro alguém me diz que ela traduziu um sentimento ou uma vontade. Talvez ela seja única ao conseguir desnudar a alma humana de uma forma nunca antes vista. E claro, a própria personalidade da Clarice per se já era um evento, o que colaborou para que ela extrapolasse os limites de escritora e ganhasse também admiração, ou ao menos um séquito de curiosos. Com o tempo o fenômeno foi crescendo, e não é raro ver um número absurdo de frases que ela nunca disse circulando por aí.” 

P.S.: Em 09 de maio de 2023, Rita Lee foi cantar que agora não falta mais ninguém na festa do céu: a ovelha negra se libertou daquela vida vulgar aqui da terra. Fica então uma última e emocionada dica de leitura, sua autobiografia. Vida eterna à rainha do rock brasileiro!

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As meninas – Lygia Fagundes Telles

Companhia das Letras 
304 páginas

[…] Quero te dizer também que nós, as criaturas humanas, vivemos muito (ou deixamos de viver) em função das imaginações geradas pelo nosso medo. Imaginamos consequências, censuras, sofrimentos que talvez não venham nunca e assim fugimos ao que é mais vital, mais profundo, mais vivo. A verdade, meu querido, é que a vida, o mundo dobra-se sempre às nossas decisões.”

Perto do coração selvagem – Clarice Lispector

Rocco 
208 páginas
“Talvez fosse apenas falta de vida: estava vivendo menos do que podia e imaginava que sua sede pedisse inundações.”

“Renascer sempre, cortar tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurar-se num terreno novo onde todo pequeno ato tivesse significado, onde o ar fosse respirado como da primeira vez.”

Tebas do meu coração – Nélida Piñon

Record
544 páginas

“Decidiu-se por administrar-lhe aulas de realidade, como chamava dar nomes corretos às coisas, vê-las instaladas com justiça na natureza e todos de acordo quanto ao que serviam.”

“Naquele primeiro de julho, porém, Eucarístico começou a abater as árvores prometidas aos filhos como herança, logo que morresse. Avisada de que a família perdia as pompas mais nobres, e pelas mãos de Eucarístico, Magnólia foi ao seu encontro. Pediu que se desse ao menos três dias para pensar. Não se destruía o patrimônio de uma vida inteira em poucas horas de machado. Eucarístico não conseguia ouvir uma única palavra e Magnólia ajoelhou-se rezando pelas árvores enquanto ele as abatia.”

À procura da própria coisa: Uma biografia de Clarice Lispector – Teresa Montero

Rocco 
768 páginas

“[…] Depois da viagem, A hora da estrela não parou de perseguir Clarice. ‘quando a gente estava vindo para cá, você disse que já estava cansada da personagem da novela que você está escrevendo’, comentou Marina Colasanti durante o depoimento de Clarice ao MIS, cinco meses depois de sua volta ao Recife. ‘Pois é, de tanto lidar com ela.’ E Marina: ‘Você fala da personagem como se estivesse falando de uma pessoa existente, que te comanda.’ ‘Mas existe a pessoa, eu vejo a pessoa, e ela se comando muito. Ela é nordestina e eu tinha que botar para fora um dia o Nordeste que eu vivi. Então estou fazendo, com muita preguiça, porque o que me interessa é anotar. Juntar é muito chato’, conclui Clarice.”

Rita Lee: uma autobiografia

Globo Livros
296 páginas 

“Sei que ainda há quem me veja malucona, doidona, porra-louca, maconheira, droguística, alcoólatra e lisérgica, entre outras virtudes. Confesso que vivi essas e outras tantas, mas não faço a ex-vedete-neo-religiosa, apenas encontrei um barato ainda maior: a mutante virou meditante. Se um belo dia você me encontrar pelo caminho, não me venha cobrar que eu seja o que você imagina que eu deveria continuar sendo. Se o passado me crucifica, o futuro já me dará beijinhos. Enquanto isso, sigo sendo uma septuagenária bem ‑vivida, bem‑experimentada, bem‑amada, careta, feliz e… bonitinha.”

Para ouvir

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