Enquanto você se distrai…
Um relato sobre amor, despedida e o que realmente importa na brevidade da vida

As palavras saíram da boca como um sopro de sabedoria que só se ganha com o tempo. “Aproveita a vida enquanto você pode”. Minha madrinha, 85 anos. Metástase. Ela, sentadinha no sofá, cheia de cobertas. E eu, no chão, abraçando seus pés para tentar aquecê-los. Foi domingo passado. Há algumas semanas, falei aqui sobre uma outra visita que fiz a ela. “Que bom você dizer que me ama, eu também te amo”, ela me falou naquela vez. Mas ali, naquele último domingo, enquanto a gente conversava, vi as lágrimas saírem daqueles olhos que, molhados, ficavam ainda mais verdes. “Você pode limpar meu nariz?”, “claro”. E com uma pequena toalha eu sequei a pele fina com toda a delicadeza que meu gesto poderia alcançar.
Hoje, sexta-feira, fui vê-la. No hospital. Na noite da minha última visita, ela precisou ser socorrida e passou a semana internada. Ala C, leito 30. Cheguei. Ela me recebeu. O olhar, diferente. As palavras saíam baixinho. Sussurros que nem sempre eu conseguia entender. Meus olhos de jabuticaba molharam. Eu disse, de novo, que a amava, “eu também”, e quis me dar um beijo. “A vida passa rápido”, foi o que eu acho que ela tentou me dizer.
Acompanhar a terminalidade daqueles que amamos é provavelmente a coisa mais difícil que podemos experienciar. Mas eu também consigo ver beleza nesses encontros. Escutar minha madrinha nessa fase da vida, apesar de doloroso, tem sido um profundo aprendizado para mim.
A verdade é que a gente se distrai nessa passagem pela terra. Começamos a dar demasiada importância pra coisas muito pequenas, e facilmente deixamos o que mais importa para um segundo plano. Terceiro, quarto… às vezes, até perdemos de vista aquilo que mais tem (ou deveria ter) valor. No final da jornada, o pesar não vem do carro que você não teve ou das posses que não acumulou. Mas dos afetos que economizou, dos sorrisos que poupou, dos dias que deixou se perder no que há de mais mesquinho em nós.
Semana passada, contei aqui sobre pequenas práticas que mudam o meu dia. E alguns leitores queridos me escreveram com o incentivo de que eu partilhe mais rituais que transformam o cotidiano. Talvez esse não seja, assim, tão suave de se fazer quanto acender uma vela. Mas pra mim é muito eficaz: abro a janela da sala, olho para a vista, que mistura a cidade e a serra (da cantareira). Lembro que é mais um dia. Que a vida passa depressa. Que hoje é um dia que não vai voltar.
Não há por que desperdiçar.
Conteúdo publicado originalmente na newsletter da Vida Simples. Cadastre-se para receber semanalmente em seu email a newsletter Simplesmente Vida, com cartas exclusivas de Débora Zanelato, diretora de conteúdo de Vida Simples.
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