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Elimine os excessos. Viva só com o essencial
Samantha Gades | Unsplash
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A minha busca por uma vida simples vem de longa data. No início — confesso — perdi o interesse e cheguei a desistir. A quantidade de propostas era imensa, porém, não conseguia me encaixar em nenhuma. Tudo o que eu lia parecia impraticável ou extremamente difícil. Viver uma experiência de permacultura numa pequena vila? Sim. Sou uma aficionada pela natureza, por árvores e animais. Mas como conciliar com minha urbanidade, o gosto pelas artes plásticas, os sapatos de salto e os restaurantes? Arrumar uma mochila só com o essencial e partir para uma vida nova em outra cidade, em outro país? Poderia. Tenho adoração pelo aprendizado que vem do novo. Mas como conciliar com o amor pela minha casa, meu espaço e a minha tonelada de livros?

No meu périplo pela “simplicidade acessível”, todos os caminhos me levaram aos estoicos. Com eles descobri que não é preciso partir do zero para praticar uma vida simples. O estoicismo — que também pode ser traduzido na redução de quantidades do que compõe a vida (vestuário, moradia, hábitos de consumo) — pode ser praticado, vivido e incorporado hoje mesmo. A ideia é cortar os excessos — o que é supérfluo, que atrapalha, que pesa, que angustia — e ficar disponível para o essencial, para o que traz harmonia e significado.

No dicionário — e no senso comum —  o adjetivo estoico não tem um significado positivo. Acredita-se que um estoico é alguém excessivamente austero e insensível. Porém, a conotação vêm de uma leitura superficial do estoicismo (a má língua e as fake news já existiam na Grécia antiga!). O que ocorre é que o que muitos consideram uma tragédia, os estoicos enxergam como um pequeno acidente. E por quê? Porque os valores dos estoicos são outros. Um homem que comete o suicídio depois de perder todo o seu dinheiro (e com ele o seu status na sociedade) revela que o dinheiro e a posição social eram valores absolutos para ele. Há outros que quando perdem tudo experimentam uma grande sensação de liberdade e começam uma vida nova. Calvin, o adorável personagem de Bill Watterson  — um dos meus heróis — afirmava que quando perdesse tudo se mudaria para uma floresta tropical. Sobreviveria de larvas, pequenos animais e, nas horas vagas, cataria piolhos em macacos. Uma mesma situação pode ser vista de maneira completamente diferente, de acordo com os valores de quem a contempla. O próprio Zenão de Cítio, fundador da escola estoica, perdeu todas as suas posses num naufrágio. Sua reação diante do ocorrido: “Quis o destino que eu fosse um filósofo com menos coisas a carregar”. Sua impassibilidade não significava que era um conformista, um homem esmagado pela fatalidade da vida. Denotava que as posses materiais não estavam entre os seus valores essenciais.

Com esse exemplo, entramos no coração da vida boa: os valores têm uma importância fundamental. Identifique o que tem significado para você e tome decisões em função disso. Após a bússola dos valores perfeitamente alinhada — comece a eliminar os excessos. E comece pelo seu espaço externo. Novamente a questão da casa e da bagagem? Não há como fugir desse item. Não é à toa que a cultura oriental (feng shui, Marie Kondo) dá tanta importância a casa. O espaço externo condiciona e está conectado ao espaço interno — a mente. Não é necessário que todos os seus bens caibam numa mochila. Mas se aquilo que você possui limita a sua liberdade, condiciona o seu caminhar, impede uma boa visão da estrada, atrasa as suas partidas e chegadas… é tempo de aliviar a carga. Você pode não ter tempo (agora!) para lidar com o que você já acumulou, então, comece por evitar novas aquisições. O consumo excessivo não polui apenas a sua casa (a sociedade e o planeta), polui também a sua mente. O fast fashion é uma indústria insalubre e criminosa. Compre só peças atemporais e adote a regra “cada peça que entra, saem duas” (funciona: pensar que você terá de se livrar do que já tem, inibirá as compras por impulso).

Seja um asceta!
E estenda a prática para outras áreas. Traga a frugalidade para a sua forma de morar, de dormir, de comer, de se relacionar. Adote uma agenda minimalista. Marque menos compromissos ou encerre o dia duas horas mais cedo. O filósofo Demócrito, alvo dos estudos de Carl Marx, não abria nenhuma carta depois das três da tarde. Ao entardecer, o sábio dedicava-se a recuperar a calma que foi perdida durante o dia. Hoje, o que fazemos quando chegamos do trabalho? Ocupamos a cabeça em respostas a emails e tragédias do noticiário. O resultado é um mau sono e cansaço no dia seguinte.

O corte aos excessos não deve ser restrito apenas ao corpo. Uma mente agitada cansa da mesma forma que um corpo agitado. O estoico Marco Aurélio afirma que a mente humana é um cavalo selvagem que precisa ser domado. Quem já experimentou a meditação, sabe que não é uma tarefa fácil. A mente desassossegada faz parte do menu diário do homem moderno. E paga-se um preço alto por ela: ansiedade, aflição, fadiga física e mental. Marco Aurélio recomendava “trazer” para a mente pensamentos aquietadores. Tente escapar desses tempos de notoriedade e excesso. A máxima estoica “quanto menos desejos você tem, mais perto está dos deuses” continua atualíssima. Ame as pessoas e use as coisas (o oposto não dá certo) e caminhe em direção ao essencial. Sua vida ganhará densidade, qualidade, significado… E sofisticação: o grau máximo da simplicidade.

MARGOT CARDOSO (@margotcardoso) é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 16 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, contará histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

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