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E se a sua dúvida for exatamente o que te torna confiável?
(Foto: Freepik) A dúvida pode ser desconfortável, mas abre espaço para o novo e a escuta
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Durante muito tempo, eu achei que um bom educador era aquele que tinha respostas. Que sabia dizer “o que fazer”, “como agir”, “qual é o certo”. Eu sou professora de adolescentes, e é impossível contar quantas vezes ouvi perguntas que não tinham resposta clara, ou que me pegavam no susto. “Sério que você não sabe isso, professora?” A aflição vinha forte. Será que eu estava despreparada? Será que estavam esperando de mim algo que eu não tinha e deveria ter? 

Hoje eu vejo que não faltava preparo. Faltava silêncio.

Fato é que a gente aposentou o “não sei”. E, mais do que isso, desaprendeu a fazer boas perguntas quando não sabe. Para muitas pessoas, dizer que não sabe algo virou sinônimo de fraqueza, de insegurança e de ignorância, quando, na verdade, pode ser só um gesto de lucidez.

Essa lucidez não é exclusividade de professores. Um médico que reconhece os limites de um diagnóstico e busca escutar melhor o paciente em vez de oferecer um protocolo automático, está sendo ético. Uma mãe que, diante da angústia do filho, admite que não tem a resposta certa, mas está disposta a investigar junto, está sendo afetuosa e justa. Um jornalista que se recusa a opinar sobre um tema que ainda não estudou o suficiente, está sendo responsável. Um gestor que aceita repensar uma decisão diante de novos dados, está sendo maduro.

Mas a cultura da certeza imediata nos empurra para outro lugar. A gente aprende, cedo demais, que ter dúvidas é perder espaço. Que hesitar é perder autoridade. E que, diante de qualquer polêmica — seja sobre política, raça, gênero, geopolítica, infância, neurodivergência ou religião — é preciso se posicionar rápido. Mesmo que não se saiba muito. Mesmo que não se tenha vivido aquilo. Ao mesmo tempo, acreditamos que se lermos um bom post do Instagram sobre determinado conteúdo, estamos aptos a opinar como especialistas no tema. 

A internet transformou a opinião em moeda. E num mundo em que ter palco se tornou mais acessível, quem fala com mais convicção costuma ser ouvido antes de quem fala com mais cuidado.

No meu trabalho de educação socioemocional, um dos pilares se chama “Debate e Argumentação”. E não é por acaso. Há um vínculo forte entre emocional e argumentativo. Ter repertório, saber sustentar uma ideia e reconhecer a complexidade dos assuntos exige mais do que cognição: exige equilíbrio emocional. E tempo. Pensar antes de responder é uma prática de autocontrole, escutar antes de discordar é uma prática de humildade. Voltar atrás é, quase sempre, uma demonstração de coragem.

Isso vale para a sala de aula, mas também para o almoço de domingo com a família, para o ambiente de trabalho, para a forma como conduzimos discussões públicas e, sobretudo, para a forma como educamos crianças.

Durante muito tempo, acreditamos que autoridade se construía com respostas prontas. Hoje, cada vez mais adultos têm revisto esse lugar. Dizer “não sei” para os filhos é um gesto educativo importantíssimo. Não como um ponto final, mas como uma abertura: “não sei, mas posso pensar com você”; “não sei, mas essa é uma pergunta importante”; “não sei, vamos pesquisar juntos?”

Isso muda a escuta, a convivência e principalmente a confiança. Quando você transmite para uma criança ou adolescente que é possível não saber e continuar com a sua autoestima intelectual em dia, você está ajudando a criar um indivíduo mais seguro e consciente

A dúvida pode ser desconfortável. Ela desorganiza as estruturas que a gente construiu para parecer que sabe, mas ela também abre espaço para o outro, para o novo, para o pensamento original. E, principalmente, para a escuta.

E talvez seja isso que torna alguém confiável: a capacidade de não fingir. De não entregar respostas empacotadas e de não atropelar o tempo das coisas só para parecer firme.

Às vezes, o que te torna mais digno de confiança não é o quanto você sabe, mas o quanto você sabe sustentar a pergunta sem medo de ainda não ter a resposta. Em um mundo de tantas certezas, estar em dúvida é — muitas vezes — um sinal de inteligência.

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