Bem-estar sustentável: cuidando de nós e do planeta ao mesmo tempo
Esta não é uma conversa sobre produtos mais ecológicos. É sobre harmonizar o nosso autocuidado com a responsabilidade ambiental e social

Lance a expressão “bem-estar” em uma roda de conversa e você colherá comentários com um atributo em comum: a individualidade. Cuidar do corpo, da mente, da saúde, das emoções. E está tudo certo. Mas e se eu te dissesse que o verdadeiro bem-estar, aquele que dura e nos preenche de verdade, está intrinsecamente ligado à forma como interagimos com o mundo ao nosso redor? É aí que entra o bem-estar sustentável, uma ideia ou quem sabe, filosofia, que nos convida a harmonizar nosso autocuidado com o cuidado com o planeta.
Entusiasta do autocuidado, dos pequenos prazeres e de uma vida leve, longe de mim querer gerar gatilhos de culpa quando falamos de cultivar práticas de autocuidado e relaxamento. Até porque, quem mais cuida dos outros, inclusive coletivamente, estando em linha de frente de causas, muitas vezes acaba deixando de lado o próprio cuidado, como se fosse algo menos importante.
Bem-estar: bom para quem? A que custo?
Desacelerar, fazer pausas, cultivar pequenos prazeres e práticas de autocuidado foram temas amplamente discutidos nos últimos anos. Aqueles que estiveram atentos ao assunto e também tiveram o privilégio da escolha puderam acompanhar a revolução deste movimento do autocuidado, quase como uma “autorização” para pensar em si em primeiro lugar e se cuidar a partir das próprias necessidades e desejos.
Mas todo esse ode ao autocuidado e uma certa romantização do “o importante é se sentir bem” nos distanciou de questionamentos importantes:
-
O que escorre pelo ralo quando tomamos aquele banho premium e como isso impacta nos oceanos?
-
Que tipo de sistema estamos alimentando quando usamos como justificativa a frase “ah, só mais uma blusinha da China. Afinal, trabalhei tanto essa semana” ou “Ah, tudo bem este procedimento para me fazer parecer com aquela famosa. Afinal, é para me sentir bem?”
-
E aquele apego gastronômico, hein? Será que ele está intimamente ligado ao desmatamento da floresta?
Resumindo: bem-estar para quem? A que custo? Sustentado pela vulnerabilidade de quem?
Aqui vale um destaque sobre o que propõe o ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) 3, “Saúde e Bem-Estar”, da ONU para a Agenda 2030: “Garantir o acesso à saúde de qualidade e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”.
Não à toa, Satish Kumar, ativista pela paz e conservação do meio ambiente que muito me inspira, escreveu em “Solo, Alma e Sociedade“: “O cuidado do solo e o cuidado da alma precisam ser estendidos para incluir o cuidado com a sociedade”.
(pausa. suspiros).
Bom, voltando aos questionamentos que puxei mais acima, apesar de parecer uma conversa “ecochata”, em um mundo que corre tão rápido, com desafios ambientais cada vez mais evidentes, a busca por um bem-estar que seja também responsável se torna não apenas uma tendência, mas uma necessidade. É hora de fazermos escolhas verdadeiramente conscientes que nos nutrem, ao mesmo tempo em que preservamos os recursos e a beleza do lugar que chamamos de lar.
Bem-estar sustentável não é sinônimo de coisas
Embora, por meio do meu trabalho como comunicadora socioambiental especializada em bem-estar, eu me nutra muito ao acompanhar e contar histórias de marcas que nascem de modelos de negócios mais regenerativos e ao divulgar produtos em versões de menor impacto, sinto-me na missão de sempre lembrar que bem-estar sustentável não é sinônimo de coisas mais ecológicas.
Bem-estar sustentável significa fazer escolhas a partir da compreensão de que cada ação, desde o que comemos até como nos deslocamos, tem um eco que vai além de nós mesmos.
Como eu costumo dizer: nosso bem-estar e o da Terra precisam caminhar juntos, com a mesma proporção de prioridade.
Como integrar o bem-estar sustentável no seu dia a dia?
Entre dúvidas, escolhas imperfeitas, reflexões profundas e questionamentos existenciais, não podemos perder tempo em colocar esse princípio na prática cotidiana. Aqui estão oito ideias simples e potentes para começar essa jornada:
-
Reconexão com os ritmos naturais – Cada mudança de estação pode nos ensinar algo. Pense, por exemplo, no Outono e no Inverno como um convite para interiorizar, refletir e se regenerar. Basta olhar para a natureza, pois é o que os animais fazem: recolhem-se. Observando as folhas caírem, podemos refletir sobre ciclos. Ter as plantas como remédios também nos ensina muito sobre a potência da natureza. Aliás, algo ainda mais prático: opte por alimentos da época. Eles são mais frescos, nutritivos, saborosos e com preços melhores. As fases do ciclo feminino, não à toa, são sincronizadas com os ciclos da lua. Ao reconhecermos essa sintonia, ganhamos conexão e possibilidade de auto-observação com o nosso próprio corpo.
-
Nutrição consciente descasque mais e desembale menos! Sua saúde agradece, enquanto você reduz mais resíduos no mundo. Pense também na origem do seu alimento: de onde vem? Quem faz? Diminuir o consumo de carne e evitar o desperdício também são passos importantes. Que tal experimentar uma segunda-feira sem carne?
-
Consumo consciente – Como eu já escrevi aqui em uma coluna antes, a consciência precisa vir antes do consumo. Em um mundo onde preencher carências a partir de compras foi normalizado, pergunte-se: “eu realmente preciso disso?” e “de onde vem esse desejo?”. Dê preferência a produtos duráveis, reutilizáveis e de empresas com práticas justas. Trocar, consertar e doar são atitudes que prolongam a vida útil dos objetos e reduzem o descarte. Afinal, o mais sustentável é sempre o que já existe. E isso traz bem-estar para o nosso bolso e para o planeta!
-
Mente sã – Invista em autoconhecimento e práticas de conexão entre corpo e mente, como meditação, yoga, entre outras. Quando estamos bem, conectados internamente e cientes do nosso papel no mundo, fica mais fácil cuidar do que está à nossa volta e ter lucidez para fazer escolhas que vão além da nossa individualidade.
-
Conexões verdadeiras – O bem-estar sustentável também passa pela forma como nos relacionamos com as pessoas e com o mundo. Engaje-se em iniciativas sociais, em grupos do condomínio, do bairro ou da cidade.
-
Beleza Consciente – Todo mundo gosta de estar com a pele saudável, cabelos limpos e um corpo forte. E tudo bem — nem sempre é padrão estético. Mas observe e repense os produtos que você usa para cuidados pessoais, higiene e skincare. Existem muitas marcas que oferecem opções naturais, cruelty-free (livres de testes envolvendo crueldade animal), desenvolvidas a partir de cadeias de produção mais justas e com embalagens sustentáveis. E, claro, pratique com mais gentileza e simplicidade. Este, aliás, é o caminho eu proponho no meu livro “Guia da Beleza Consciente: uma Jornada em Direção a uma Prática de Cuidados Mais Naturais, Sustentáveis e Atentos”.
-
Cultive um jardim comestível – Trabalhar com plantas e próximo ao solo ajuda na redução do estresse! É o que aponta um estudo da City University of London. Segundo o professor Tim Lang, que conduziu a pesquisa, a prática de jardinagem e trabalhos em ambientes naturais gera um efeito positivo sobre o corpo e a mente das pessoas. Vamos olhar pela perspectiva ambiental? Pense no impacto positivo de cultivar uma horta (no quintal ou na sacada do apartamento) e ter temperos, alimentos e plantas medicinais sem embalagem, sem gasto de energia e outros processos. A saúde e a natureza agradecem.
-
Ritualize o cotidiano – Experimente desacelerar e colocar atenção plena e intenção em momentos em que atribuímos relaxamento e prazer, como um banho, o skincare, um momento degustando algo ou até a higiene do sono. Foi desse despertar que criei o manifesto “Mais Rituais, Menos Coisas”. Assim, produtos continuam fazendo parte da nossa vida, mas sem o protagonismo, que é devolvido à sensação de SER e ESTAR. É uma forma de consumir, sem sucumbir ao consumismo e ser refém de produtos para, então, sentir que está praticando bem-estar.
O bem-estar sustentável real, aquele que não é apenas uma tendência hype, é mais simples e democrático do que muita gente pensa.
➥ Mais textos de Marcela Rodrigues na Vida Simples
– A vida com simplicidade não é um lugar, é um modo de viver
– Por menos consumo e mais sustentabilidade na infância
– O que aprendi ao não usar absorventes de plástico na menstruação
Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião da Vida Simples.
Os comentários são exclusivos para assinantes da Vida Simples.
Já é assinante? Faça login