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Você sabe o que é cuidar de si mesmo?
Patrick Schneider | Unsplash
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O autocuidado virou uma palavra da moda. Serve para vender produtos e serviços, porém, ainda é pouco praticado. 

Quase uma rotina óbvia, o ato de cuidar de si mesmo, é também um elogio. Alguém é alvo de admiração porque “se cuida muito”. É um cumprimento: desejamos que um amigo “cuide-se bem!” Quase uma condição da nossa humanidade, esse ato está explicito na filosofia de Spinoza que afirma que “cada coisa esforça-se, tanto quanto está em si, por perseverar em seu ser”. Portanto, o autocuidado faz parte da nossa essência.

Entretanto, nos últimos tempos, virou mesmo uma palavra da moda. Talvez porque em tempos nocivos, precisamos ainda mais de cuidar de nós mesmos. Ou talvez porque na turbulência e na incerteza, o autocuidado é o único recurso que está no nosso controle. Talvez o autocuidado seja a nossa última trincheira, o nosso derradeiro escudo.

Primeiramente, na modernidade, temos necessidade de nos abrigar, fazer uma barreira de proteção contra todos os excessos de consumo  — de informações, produtos e serviços. Em seguida  — e já em tempos pandêmicos — o autocuidado aparece como proteção contra a insanidade. 

Um luxo

Dessa forma, cientes dos benefícios, muitos resolveram levar a sério o autocuidado. Deu certo? Não. Afinal, são anos de alienação de si mesmo, da vigência doutrinadora de que uma vida ocupada é uma vida interessante. Esses, desabituados a olhar para si mesmos, terceirizaram o autocuidado.

Passaram a frequentar mais o cabeleireiro, o massagista, o psicoterapeuta. E, sobretudo, passaram a consumir mais roupas e outros itens de “conforto” (nós merecemos!). Outros, resignaram-se. Afinal, o autocuidado tem um custo, portanto, não está ao alcance de todos. 

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Crédito: Benjamin Davies | Unsplash

Aparência e engano

Nesse sentido, um grande equívoco. O autocuidado não é e nunca foi sobre consumo. Ele está na nossa base e tem a sua importância consagrada desde o início dos tempos. O passo primeiro do autocuidado é o autoconhecimento. Ninguém cuida do que não conhece.

Eu gosto sempre de trazer à tona a interpretação de Michel Foucault sobre a inscrição do Templo de Apolo, em Delfos, “Conhece-te a ti mesmo”. De acordo com Foucault, a inscrição alerta para que antes de se dirigir ao oráculo você precisa “saber bem qual é a sua pergunta”. Muito mais importante, do que saber o destino, é saber, primeiro, quem é o viajante.

O autoconhecimento é a bússola da vida. Porém, não nascemos com ele. Ele precisa ser construído ao longo da vida. E é exatamente nesse primeiro degrau que o autocuidado vendido no mercado falha. Não há fórmulas prontas. Só nós sabemos os cuidados de que necessitamos. Só nós conseguimos enxergar o que nos falta, onde somos frágeis e quais são os nossos vazios.

Construção de si mesmo

Assim, autocuidar-se é estar focado na construção de si mesmo. Cultivar hábitos saudáveis, exercitar o corpo, dormir bem, proteger-se de pessoas tóxicas são boas práticas, mas o autocuidado é mais do que isso. Sobretudo, é olhar para nós mesmos com amor e generosidade. Há pessoas que carregam a si mesmas como fardos intoleráveis. Sentem culpa, vergonha, desprezo e não se julgam merecedoras de cuidados. Nem dos outros, nem de si mesmo.

Há quem ressalte apenas o seu lado negativo. Há um excesso de ciência dos seus defeitos e inadequações — reais e imaginários — há dúvidas sobre o seu próprio valor. Cuidam dos outros — até de animais abandonados — mas não são capazes de um único ato de generosidade, de cuidados consigo mesmos. Há quem perdoe tudo e todos, mas é incapaz de perdoar a si mesmo.

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Crédito: Andy | Unsplash

Aceitar e amar

E mais do que se perdoar, é preciso ver-se de forma construtiva e não definitiva. Ser ciente dos defeitos e falhas e trabalhar para corrigi-los. Contudo, é preciso também elevar as nossas qualidades. Festejá-las. Conhecer o que temos de menos bom e fazer as pazes com o que somos. Se aceitar.

É algo difícil de se por em prática? Não é. Basta apenas explorar a vastidão de repertórios do viver. Não existe nada essencialmente bom ou ruim. 

Primeira pessoa

Eu, por exemplo, não sou uma pessoa prática. Estou muitas vezes em estado de abstração. Se tenho a companhia de uma pessoa excessivamente funcional, certamente a convivência não será pacifica. O outro vai sempre achar que a minha companhia pesa, como uma criança que precisa de constante chamada de atenção. E eu vou me sentir controlada e pressionada. Dois lados infelizes.

Como busco sempre a harmonia, quando sei que estarei com alguém assim, procuro manter todos as minhas luzes vermelhas acesas. Atuarei em alerta máximo. Mas, não aguentarei muito tempo. É um estado cansativo e desgastante porque vai contra a minha natureza reflexiva.

Então como resolvo o problema? Tolero algum tempo com os tais práticos — afinal, não me faz mal um pouco de exercício de alerta. Mas, passado o limite do treinamento, a minha estratégia favorita é mesmo a fuga. Agora se me disserem “há um treinamento que transformará você numa pessoa prática e objetiva. Você quer?” Deus me livre! Mais do que me aceitar, eu me prefiro assim.

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Crédito: Cristina Gottardi | Unsplash

Narciso, não?

Há ainda um grande inviabilizar do autocuidado: a culpa. Muitos consideram o autocuidado um luxo e julgam não ser merecedores dele. É um mimo para poucos afortunados que não precisam ganhar a vida. Outros pensam que tem muitos a seu cargo, que precisam cuidar dos outros. Logo, o autocuidado não é uma prioridade.

Ora, mais do que para benefício próprio, o autocuidado é fundamental para quem cuida dos outros. Quem tem cuidado consigo mesmo é mais forte e está mais apto para cuidar dos outros. Tem mais treino, logo tem mais empatia e gentileza para com os outros. Quanto melhores somos para nós mesmos, mais somos para os outros. 

Contra a maré

É verdade que o autocuidado não pertence a esse mundo. Ele vai na contramão de uma sociedade que quer fazer tudo e em velocidade furiosa. Mesmo aqueles que correm tem a sensação de que estão atrasados ou perdendo alguma coisa. A introspecção necessária para o autocuidado é vista como futilidade e indolência — até mesmo como preguiça.

Escapar à aceleração dominante pode ser um desafio. Muitos já tem a velocidade tão entranhada que consideram-na parte da sua natureza. Para aqueles que ainda reconhecem o próprio ritmo ou que querem resgatá-lo, podem começar com pequenos minutos de introspeção. E é nessa viagem que você encontrará a si mesmo.

Nela você vai identificar as águas claras onde nasce a sua força. Encontrará a sua deslumbrante diversidade — como as estações do ano que alternam cor, calor, calma e frio. Mas também encontrará dores e perdas que não tem estações — estarão sempre verdes, sempre potentes. Mas, é você. E a cada nova estadia, a cada visita em si mesmo você emergirá mais intuitivo, mais consciente e com muito mais gosto em viver.


MARGOT CARDOSO é jornalista e pós-graduada em filosofia. Mora em Portugal há 18 anos, mas não perdeu seu adorável sotaque paulistano. Nesta coluna, semanalmente, conta histórias de vida e experiências sempre à luz dos grandes pensadores.

*Os textos de nossos colunistas são de inteira responsabilidade dos mesmos e não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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