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Até que ponto parecer esperto pode ser vantajoso?
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Chega a ser estranho. Algumas pessoas que são desembaraçadas e muito comunicativas não encantam e não convencem. Podem até provocar admiração pela maneira como se expressam, mas não conseguem aprovar o projeto, nem a assinatura no contrato para a venda do produto.

Por outro lado, há indivíduos que se apresentam de maneira tímida, sem brilho, mas atingem os objetivos que desejam. São os que em certos momentos mais vendem, os que mais conquistam votos, os que mais carregam atrás de si os liderados dispostos a abraçar suas causas.

Não significa que ser incompetente para se comunicar seja um atributo louvável. É evidente que o elevado nível dos fundamentos da comunicação é, na maioria das vezes, extremamente importante para o sucesso de quem conversa ou fala em público.

Como se comunicar bem

Leva vantagem quem possui, por exemplo, fala articulada, voz sonora e bem timbrada; vocabulário fluente, adequado às características e à compreensão dos ouvintes; expressão corporal harmoniosa, que acompanha a cadência e o ritmo da fala; concatenação lógica do raciocínio.

Esses atributos por si, entretanto, ainda que sejam vantajosos, não bastam para garantir os bons resultados da expressão verbal, seja nas reuniões da empresa, nos processos de negociação, nas palestras ou ainda nas conferências. Ser extrovertido demais, porém, pode, em determinadas circunstâncias ser até prejudicial.

Alguns historiadores, ao analisar a diferença entre os dois maiores oradores da Antiguidade, Cícero e Demóstenes, afirmam: “Quando Cícero falava, o povo exclamava: ‘que maravilha, como fala bem!’. Quando Demóstenes falava, o povo marchava!”.

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Uma dose de vulnerabilidade

Certa vez, ao conversar com um amigo, promotor de justiça, ele me confidenciou algumas estratégias que usou ao longo de sua carreira bem-sucedida para vencer as causas. Revelou que, além de estudar profundamente os processos, procurar identificar com antecedência a linha de argumentação que poderia ser utilizada pela parte contrária e saber com segurança qual a melhor tese a ser abraçada, também tomava algumas precauções inusitadas.

Além dos recursos considerados “normais”, de que lançava mão, de vez em quando, procurava se mostrar frágil para tornar o oponente mais vulnerável.

Antes de se entregar aos embates retóricos, colocava os óculos quase na ponta do nariz, curvava o corpo, inclinava a cabeça e falava com voz abafada. Quase sempre, o adversário se sentia confiante, seguro e não o atacava com todo o seu poderio de fogo. Assim que o oponente não se policiava e baixava a guarda e, aos poucos, o experiente promotor levantava a cabeça, endireitava o corpo, soltava a voz e se transformava.

Surpreso diante do novo cenário, o adversário se intimidava e perdia o controle da situação. O meu amigo disse que ao partir para o ataque quem se tornava impotente era o adversário. Só para ter ideia de como essa teatralização funciona basta dizer que ele é considerado o melhor promotor de justiça da nossa história.

Esse é apenas um exemplo. O jeito de ser, portanto, tem influência fundamental no processo de comunicação. Tenho amigos que rezam todos os dias para agradecer à natureza por terem nascido com cara de tolo. Há outros ainda, como esse defensor público, que fazem de tudo para disfarçar e parecerem desligados e inofensivos. Dizem que a cara de parvo desarma resistências e os ajuda a conseguir o que desejam com menos esforço do que se parecessem espertos.

Jeito inofensivo

Esperto é aquele que não afugenta as pessoas posando com jeitão de águia. Por sinal, essa comparação, embora comum, é injusta, pois meu avô dizia do alto da sua experiência que a águia ataca suas vítimas fazendo “piu, piu” e não “xô, xô”.

Lembro-me de uma entrevista que o apresentador de televisão Carlos Massa, conhecido como Ratinho, concedeu ao programa “De frente com Gabi”. Ele falou de suas conquistas patrimoniais. Elencou com naturalidade, sem nenhuma prepotência, as fazendas e emissoras de rádio e televisão que comprou nos últimos anos. Em nenhum momento pareceu contar vantagens. Deixou claro que aplicou bem o dinheiro que recebeu e, por isso, amealhou uma fortuna considerável.

É normal as pessoas desejarem saber como ele conseguiu tanto sucesso. Para explicar sua habilidade de bom negociante disse: “Deus foi tão bom comigo, Maria Gabriela, que até cara de tonto ele me deu. Quando vão negociar comigo, pensam que estão ganhando. Eu deixo, vou brincando e sem que percebam já assinaram o cheque”.

Um seriado que fez muito sucesso na televisão foi “Columbo”, protagonizado pelo ator Peter Falk. Cada episódio narrava histórias de um detetive de Los Angeles chamado Columbo, que com seu jeitão inofensivo desvendava os crimes mais intrincados. Para caracterizar sua personagem Falk usava um sobretudo bege surrado e um carro Peugeot 403 conversível com pintura desbotada.

Chegava a ser ridicularizado pelos colegas da polícia e pelos criminosos. Com esse jeito desengonçado e ar desligado, ele surpreendia a todos desvendando com inteligência incomum os casos mais complexos e nebulosos. Um bom exemplo que pode sair das telas e se incorporar à realidade do nosso cotidiano.

Espertos ou vencedores?

É certo que somos avaliados, admirados e respeitados pela nossa inteligência e demonstração de preparo. A questão está no fato de querermos, às vezes, por vaidade, externar essa esperteza e levantar resistências desnecessárias ou prevenir interlocutores ou oponentes para que usem suas melhores armas contra nós.

O perigo é deixar que o ego fale mais alto e querermos sempre parecer espertos, ágeis e fortes. Essa pode ser uma armadilha que montamos para nós mesmos, pois o outro se protegerá reunindo toda sua energia para se tornar vitorioso. É uma decisão que precisamos tomar: queremos parecer espertos ou sermos vencedores?

Leia todos os textos da coluna de Reinaldo Polito em Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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