Algumas coisas são mais importantes que vencer
O que é melhor que vencer? Para o nosso colunista, priorizar a saúde mental é o que realmente vale a medalha de ouro
Dobrei um pouco os joelhos, apoiei todo o peso do meu corpo na perna direita, estiquei o braço o máximo que pude e, com um impulso rápido, me joguei para o lado.
Nem esse movimento ousado foi suficiente para pegar a bola rebatida pelo meu amigo Alexandre em nosso jogo semanal de tênis. Olhei para ele, e com o peito cheio de orgulho, disse: “Que bela rebatida! Está cada vez melhor.”
Nossos encontros eram um tanto atípicos, pois não contávamos pontos. Estávamos ali para ajudar um ao outro a melhorar nossa saúde física e performance no esporte.
Para mim, que sempre fui extremamente competitivo, aquilo soava até meio estranho. Poucas foram as vezes em que o esporte foi tão leve, festivo e amigável em minha vida.
Lembro-me como se fosse hoje das inúmeras vezes em que a necessidade da vitória reduziu meu bem-estar. Fosse por raiva, medo, ansiedade ou até por um excesso de prazer. Quando jogava rugby, futebol, ou qualquer outro esporte, ou até mesmo torcendo, a busca incessante pela vitória sempre me impactava.
Nesta semana, pensei sobre esse tema. Não sou um assíduo espectador de televisão, mas, nos últimos dias, ela tem captado minha atenção. Em períodos de Jogos Olímpicos, fico assim, e não é para menos.
É fascinante a emoção transmitida por cada esporte. Além disso, as histórias de superação e a dedicação dos atletas em atingir sua máxima performance são exemplos importantes de atitudes que podemos cultivar em nossas vidas.
Saúde mental no pódio
Porém, precisamos estar atentos a outros sentimentos e emoções que os Jogos Olímpicos nos provocam. Nosso interesse pela competição carrega desejos subjetivos: para nossa equipe vencer, outras necessariamente têm que perder. Essa é a natureza do esporte competitivo.
O pico de alegria e êxtase de uma vitória é tão rápido e passageiro que, apesar de parecer nos levar ao paraíso, não sustenta o sentimento de felicidade que tanto buscamos. Minutos depois, já estamos de volta à nossa emoção padrão.
E essa alegria passageira nem de perto se compara ao momento em que perdemos, ou nos sentimos derrotados pelos nossos atletas não terem conquistado a tão sonhada medalha.
Nos momentos de maior combate, deixamos que a raiva tome conta de nós. A ansiedade é extrema e, por muitas vezes, queremos a qualquer custo que nosso adversário seja derrotado.
Entretanto, isso não é necessariamente saudável. Essa pressão por termos os melhores do mundo é tão extrema que os resultados negativos são evidentes nos próprios atletas de alta performance.
Michael Phelps, o maior medalhista olímpico deste século com 28 medalhas; Simone Biles, a ginasta tratada como um ícone do esporte; Gabriel Medina, tricampeão mundial de surfe; Serena Williams, Lindsey Vonn, Ian Thorpe, Carissa Moore, Usain Bolt, e muitos outros, chegaram a pontos extremos de saúde mental, sendo que muitos deles tiveram que parar o esporte temporariamente para se tratar.
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Reflexões sobre vencer e perder
Em um mundo que cada vez mais incentiva a competição e que nos traz novos heróis diariamente para servirem de exemplo, precisamos estar atentos. A Nike apostou nessa linha de raciocínio para suas campanhas publicitárias deste ano.
Em uma delas, diz que “Winning isn’t for everyone” (Vencer não é para todos) e outra pergunta “Am I a bad person?” (Sou uma pessoa má?), mostrando de forma poetizada a obsessão por vencer, o egoísmo e a determinação dos atletas, celebrando novamente a mentalidade vencedora a qualquer custo.
O problema está no conceito de vencer, e nesse ponto, a Nike contribui para um desserviço à nossa sociedade. Se queremos um mundo melhor, precisamos entender que vencer é para todos.
Devemos cultivar a mentalidade de que não há inimigo no lado oposto e que a batalha de cada um deve ser pela própria evolução. Precisamos parar de torcer para os outros perderem e idolatrar essa mentalidade competitiva.
Alta performance pessoal sim! Ser melhor a cada dia sim! Mas para isso não precisamos que os outros percam.
A cultura da competição e seus impactos
Nossa grande batalha hoje não é por uma medalha de ouro. O grande inimigo hoje é a falta de saúde mental, que faz grande parte da população perder, inclusive os grandes e imbatíveis atletas da Nike.
E a boa notícia é que, para vencermos essa luta, nenhum de nós precisa perder. Essa é a grande vantagem de uma sociedade que busca o sucesso na satisfação e o desenvolvimento próprio.
Eu ganho, você ganha e todos podem ganhar. Ser feliz ou ter bem-estar pessoal não implica que o outro não tenha. Há medalhas de ouro para todos nesse jogo.
Sem dúvida exige esforço, trabalho duro, determinação e força de vontade. Mas o ponto de comparação é sempre quem você era no passado, quem você é hoje e quem você está se tornando.
E ao invés de competir, a cooperação é muito mais favorável para esse processo. Talvez seja por isso que, dentre as grandes vitórias e derrotas esportivas que tive na minha vida, uma das coisas que lembro com mais satisfação são aqueles jogos de tênis com o Alexandre onde ninguém perdia. Cada dia, nos tornávamos alguém melhor juntos.
A obsessão pela vitória não é um fenômeno novo, mas tem sido exacerbada pelas exigências do mundo moderno. A sociedade glorifica o vencedor e marginaliza o perdedor.
Desde cedo, somos incentivados a competir em vez de colaborar. As escolas promovem a competição acadêmica, os esportes escolares incentivam a vitória a qualquer custo, e o mercado de trabalho valoriza a competitividade. Este ambiente pode levar ao desenvolvimento de comportamentos prejudiciais à saúde mental e ao bem-estar.
Corrida pela saúde mental
Diversos estudos têm explorado os impactos da competição na saúde mental. Uma pesquisa da Universidade de Harvard mostrou que ambientes altamente competitivos podem aumentar os níveis de estresse e ansiedade entre os estudantes.
Outro estudo da Universidade de Stanford encontrou uma correlação entre a obsessão por sucesso e a incidência de depressão e distúrbios de ansiedade. Atletas, em particular, enfrentam uma pressão imensa para performar, o que muitas vezes resulta em problemas de saúde mental.
Em contrapartida, a promoção de um ambiente cooperativo tem mostrado benefícios significativos. A psicologia positiva, um campo que estuda os aspectos positivos da experiência humana, enfatiza a importância da colaboração e do apoio mútuo.
Estudos demonstram que indivíduos que se envolvem em atividades cooperativas experimentam níveis mais altos de satisfação com a vida e menor incidência de problemas de saúde mental .
Além disso, especialistas em saúde mental argumentam que é necessário repensar nossa abordagem à competição. A Dra. Susan David, psicóloga e autora do livro “Agilidade Emocional”, sugere que a sociedade deve focar mais no desenvolvimento pessoal e menos na comparação com os outros. Ela acredita que a verdadeira medida de sucesso é o progresso individual e a capacidade de superar os próprios desafios.
O que é mais importante que vencer?
Para a minha felicidade, também assisti outra campanha publicitaria da Comcast TV, dos Estados Unidos, que é uma das patrocinadoras da equipe olímpica americana.
A campanha, tem o tema “Algumas coisas são mais importantes que vencer” e mostra momentos onde atletas deixaram a competição de lado mais preocupados e de alguma forma ajudaram os companheiros.
Ao refletir sobre minhas próprias experiências e observando o mundo ao meu redor, fica claro que algumas coisas são mais importantes que vencer. A saúde mental, o bem-estar e a satisfação pessoal são fundamentais para uma vida equilibrada e significativa.
Portanto, precisamos redefinir o que significa vencer, afastando-nos da obsessão pela superioridade e nos aproximando da ideia de crescimento e desenvolvimento pessoal.
Talvez seja por isso que, dentre as grandes vitórias e derrotas esportivas que tive na minha vida, uma das coisas que lembro com mais satisfação são aqueles jogos de tênis com o Alexandre onde ninguém perdia. Cada dia, nos tornávamos alguém melhor juntos. E essa, acredito, é a verdadeira vitória.
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