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Acolha e celebre o eterno fluir da vida
Benjamin Davies
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Ninguém entra uma segunda vez no mesmo rio, pois, aquele que experimenta essa experiência, assim que emerge já não é mais o mesmo que nele mergulhou. Assim como as águas, que também já serão outras. E o fenômeno é rápido: no mesmo instante em que se entra no rio, imediatamente águas novas substituirão aquelas e o mesmo acontece com quem experimenta as águas, num fluxo vivo e contínuo que tudo abarca. Essa formulação que até hoje nos fascina foi feita por Heráclito de Éfeso, um filósofo grego que viveu no século V a. C. Para ele, tudo flui, nada é permanente. E mais do que fluxos que se alternam, eles são opostos, diz ele.

Para Heráclito essa é a própria essência do mundo. As coisas só são coisas e existem enquanto existem os seus opostos. Um exemplo: só podemos falar de coragem porque existe covardia. Se não existisse uma única pessoa covarde no mundo, não teríamos sequer a ideia ou mesmo a palavra covardia. Dizendo melhor: para ele, as coisas só existem como tensão entre opostos.

Não existe a covardia, existe a tensão entre a coragem e a covardia. Não existe o leve e o pesado, existe a tensão entre o leve e o pesado, a ação e a reação, o claro e o escuro, o dia e a noite. Afinal, sabe-se que o despertar da consciência só se dá por contraste. Só compreendemos verdadeiramente a luminosidade do dia em oposição a escuridão da noite, a cor branca diante da cor preta.

Apego ao permanente

E por que esse conceito ainda hoje nos espanta? Porque nos apegamos teimosamente ao que já passou. O eterno devir — o constante consumir de instantes — nos angustia e nos desespera. Apesar desse conhecimento, no fundo, esperamos que tudo permaneça igual. Essa é a razão porque amamos fotografia. Ela capta e eterniza aquele exato momento. Porque desejamos que certos dias nunca acabem, que momentos felizes durem para sempre. Qual são as religiões que conquistam o maior número de adeptos? Aquelas que prometem que irá chegar um tempo em que o agora nunca terminará. Aquelas que prometem que o presente nunca vai se transformar em passado. E o que é um presente que nunca vira passado? A eternidade. É isso o que queremos, o amor para sempre, a vida eterna.

A perfeição do devir

Assim, é necessário resgatarmos um filósofo da antiguidade para nos fazer entender que nada é permanente, a não ser a mudança. Heráclito — que influenciou gigantes do pensamento como Hegel — não vê o conflito entre dois opostos como uma má notícia, mas simplesmente — como um bom grego — a ordem perfeita do universo. Esses opostos estão em harmonia e coincidem com o princípio e o fim, fechando um círculo. O exemplo é o dia que muda para a noite e a noite que muda novamente para dia. “A rota para um caminho, para cima e para baixo, é uma e a mesma”, diz Heráclito. As coisas são e não são. Para o filósofo as coisas são sempre possibilidades, elas estão inscritas num eterno devir.  Nada é em dois momentos a mesma coisa.

Para Heráclito essa alternância é a própria essência da vida. Sua genialidade flagrou e celebrou essa fluidez como parte da perfeição do mundo. E há quem se angustie com isso, mas há também quem se maravilhe. O grande Guimarães Rosa escreveu que “o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas. Mas que elas vão sempre mudando. Afinam e desafinam. Verdade maior”. Para o escritor, é exatamente aqui que reside a beleza da vida. Ele não lamenta. A vida é isso mesmo, esquenta e esfria, aproxima e separa, ilumina e escurece, agarra e solta. Ele acolhe a mudança de todas as coisas, inclusive a nossa.

Celebrar o movimento

Quantas vezes não nos maravilhamos com as mudanças que observamos em nós?  Verificamos o tamanho da alteração e contemplamos a nossa envergadura recente, surgida em apenas alguns meses. Às vezes, a mudança é tal que a nós parece uma outra vida ou a vida de outra pessoa. Quantas vezes o que fomos está tão distante que brincamos que foi em outra encarnação?

Porém, o melhor da constatação de Heráclito é que o devir é um filtro neutro, serve para todas as situações. As coisas boas não permanecem, mas as más também não. Elas alternam-se: a noite muda para o dia, as lágrimas para o riso, a tempestade para a calmaria. Essa é a natureza das coisas. Rebelar-se contra a impermanência, é entrar em conflito com a harmonia e a fluidez da vida. Devemos acolher e celebrar todas as mudanças, fazer parte do fluxo e não lutar contra ele.

A semana que vem eu espero te encontrar aqui. Eu não serei mais a pessoa de hoje, que aqui escreve, e você também não.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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