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A pressa é inimiga das grandes histórias
Akash Banerjee
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Semana passada caminhava pela calçada com algumas sacolas do hortifrúti nas mãos quando fui interrompido por um homem que vinha na direção contrária a minha. Levei um ligeiro susto e logo parei para ouvi-lo, mais de uma forma como quem já demonstra pressa.  Ele me cumprimentou com um leve movimento de cabeça e falou mais alguma coisa que eu não entendi direito sobre o dia e o calor que fazia naquela manhã quando então, resolvi me antecipar.

“Senhor…, desculpe, eu não tenho dinheiro hoje, lamento”

“Não, não, não… por favor”, me respondeu de pronto espalmando as mãos e dando um ligeiro passo para trás.

“Só quero saber se o senhor poderia dizer onde fica a Estação Sumaré do metrô”, complementou num português truncado de palavras catadas  e com forte sotaque que não consegui identificar na hora.

Desarmei com sua fala. Soltei minha respiração com os ombros e, um tanto constrangido, não tive outra reação que não fosse dar a melhor explicação possível de como ele poderia chegar ao destino almejado, enquanto minha mente corroía internamente por conta do meu julgamento prévio sobre aquela simples abordagem. 

Senti então um impulso de perguntar de onde ele era. 

Foi ai que vida me presenteou como uma grande história, história que compartilho com vocês nesta minha coluna de hoje em Vida Simples, história que espero possa me fazer lembrar sempre de estar atento aos que cruzam o meu caminho por algum motivo e que tenho certeza cruzam também o caminho de vocês a todo momento, afinal, histórias precisam ser contadas, mas para isso, é preciso alguém que as ouçam. O problema é que num mundo rápido demais todos querem falar, mas poucos estão dispostos a ouvir. Que bom que o meu constrangimento freou minha pressa.

Travessia de fé

O Homem se chama Said, é sírio e está no Brasil há dois anos. Seu relato é forte. Ele chegou por aqui fugindo de seu país ainda em guerra num conflito que já perdura 11 anos.

Das inúmeras escuridões que apossaram de sua vida desde que as metralhadoras e bombas tomaram conta dos dias na Síria, Said escolheu uma que pelo menos poderia lhe trazer esperança de luz em algum momento do futuro: o porão de um navio.

Deitado entre tubos de aço, pistões e tanques de óleo diesel na casa de máquinas de um navio cargueiro lotado de grãos, ele cruzou clandestinamente o oceano em direção ao Brasil juntamente com outras 40 pessoas. Só a metade sobreviveu a travessia que durou três meses.  

Em pé na calçada fui sendo capturado a cada relato da jornada oceânica de Said e de seus compatriotas. Em meu silêncio fiquei imaginando aquela escuridão das noites, o passar lento das horas, o cheiro, o frio…..

Lhe perguntei sobre as incertezas e o que lhe movia por aqueles dias e noite sem saber se sobreviveria.

“Fé”, respondeu-me de pronto num olhar de quem se comunica com algo que vai além das palavras. Senti uma forte presença de verdade em sua fala e uma empatia  por aquele semblante precocemente vincado a minha frente. 

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Em busca de sentido

Sei que não é tão simples olhar para um relato como esse e não deixar de pensar que a vida pode ser injusta em muitos momentos.  Eu mesmo vivo na minha mente passando uma régua imaginária do que é possível suportar e tolerar no comportamento humano, porém, o tempo tem me mostrado que os desígnios da vida seguem por caminhos que ainda desconhecemos, ou melhor, que ainda não entendemos o seu real sentido.

Ao ouvir a história de Said me lembrei do psiquiatra  Viktor Frankl. No seu livro Em busca de sentido (Vozes), ele descreve a experiência que o levou à descoberta da Logoterapia,  uma abordagem que se fundamenta no real sentido da vida. Prisioneiro durante longo tempo em campos de concentração, onde seres humanos eram tratados de modo pior do que se fossem animais, ele se viu reduzido a experiência nua e crua. 

Depois de tudo que viveu Frankl sintetiza a força humana: “pela maneira com que uma pessoa assume seu destino inevitável, assumindo com esse destino todo o sofrimento que se lhe impõe, revela-se, mesmo nas mais difíceis situações, mesmo no último minuto de sua vida, uma abundância de possibilidade de dar sentido à existência”.

Viktor Frankl não só sobreviveu como se tornou um dos mais importantes psiquiatras e pensadores do século passado.

Muitas histórias

A “troca” com Said  naquela manhã foi por alguns minutos, mas sua história continuou em mim. Aliás, passando pela internet naquele mesmo dia em que o conheci, vi a notícia que ganhou destaque nos portais e nas TVs de três nigerianos que sobreviveram a uma viagem de 4.600 quilômetros até chegarem às Ilhas Canárias acomodados precariamente em cima do leme de um navio petroleiro. Uma travessia de 11 dias a céu aberto.

Fiquei pensando também quantas outras histórias, quantas outras travessias estariam acontecendo por todos os cantos do mundo. Nem todas tem um final feliz, é claro, mas são histórias que permeiam a jornada humana pela vida. 

Voltei para casa com passos mais cadenciados e com um olhar mais atento. Algo também soprou ao meu ouvido: Escreve uma coluna para a Vida Simples.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

A vida pode ser simples, comece hoje mesmo a viver a sua.

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