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A geografia da felicidade
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O homem sempre se mudou. Seja em massa como o que testemunhamos agora com os refugiados ou — em qualquer época — como uma escolha individual. Porém, hoje, o grau de mobilidade é ainda maior. Para além do fácil acesso a qualquer lugar do mundo, algumas profissões permitem o trabalho de qualquer lugar do planeta.

Assim, as razões para a mudança são muitas. A questão econômica, motivada pela busca de melhores oportunidades de trabalho — como as históricas mudanças da zona rural para a urbana — estão no topo da lista. Logo a seguir, vem qualidade de vida, segurança e clima. Entretanto, todas essas razões têm como motor a busca pela felicidade.

O meu lugar

O conhecimento de que o espaço exerce influência sobre nós é muito antigo. Entretanto, só recentemente a disciplina “geografia humana” tem se ocupado do tema. O clima, a cultura, a paisagem exercem um grande impacto sobre a nossa personalidade e as nossas vivências.

E, mais do que isso, espelhamos o lugar que habitamos. Quando mudamos para uma cultura diferente mudamos também a nossa forma de pensar. Mudando de paisagem, ou seja, o que os nossos olhos contemplam, também nos muda a nós mesmos.

O mundo corporativo conhece bem o poder de impacto do entorno na performance profissional. É por isso que as empresas do vale do silício — dependentes de inovação e criatividade, investem em ambientes lúdicos e estimulantes.

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Crédito: Stephany Lorena | Unsplash

Os seres e a geografia 

A importância do entorno não é uma novidade, ela vai além do homem, é de importância fundamental para todos os seres vivos. E para algumas espécies, o lugar é uma questão de vida ou de morte.

Como as plantas, por exemplo. Experimente cultivar uma bananeira na Europa. A planta pode se aguentar por alguns anos, mas não dará uma única banana. Os pássaros migram para condições atmosféricas mais favoráveis. E nós fazemos o mesmo.

Cura e doença geográfica

Em primeiro lugar, o espaço que habitamos também está intimamente ligado ao nosso emocional e, por extensão, a nossa saúde. É sabido que o ambiente minimalista e austero dos hospitais não é sem propósito. O ambiente neutro é ideal para o repouso e a recuperação.

Ainda no âmbito da saúde, nos tratamentos para dependentes químicos, a primeira medida terapêutica é a mudança de ambiente. Para a cura é necessário um novo lugar na geografia.

A escritora Winifred Gallagher conta no seu livro The Power of Place: How Our Surroundings Shape Our Thoughts, Emotions, and Actions (O Poder do Lugar: como o ambiente molda nossos pensamentos, emoções e ações) aborda a depressão na viuvez da rainha Vitória. A monarca inglesa, depois da morte do marido, passou a dividir a vida entre o palácio que continha o túmulo do falecido e o outrora ninho de amor do casal, no interior da Escócia.

Pesquisadores do ambiente não se surpreendem que a rainha tenha permanecido inconsolável até a sua morte. Na depressão e em outros comportamentos há uma coincidência entre fatores psicológicos e ambientais. Para se livrar de um hábito, um vício ou um amor perdido é necessário também uma ruptura com o ambiente condicionado.    

geografia da felicidade

Crédito: Pat Whelen | Unsplash

Sabedoria milenar

Entretanto, a importância do espaço é muito mais antiga do que consta no conhecimento ocidental. O Feng Shui — uma das metafísicas chinesas com mais de cinco mil anos — dita que existe uma relação entre a vida humana e o seu entorno, mais intimamente, a casa onde se habita. Trata-se de uma ciência que abrange geofísica, religião, psicologia, folclore e o atemporal bom senso.

Provavelmente, o Feng Shui surgiu quando os antigos mestres tentavam ler a pulsação da terra para identificar os melhores lugares para o túmulo dos seus ancestrais. O princípio básico é o de que se vive melhor no entorno certo.

Com antiguidade similar, a medicina Ayurveda tem tratados e tratados sobre a influência de climas úmidos e secos.   

Pensamento e geografia

Nesse sentido, a geografia também influecia a nossa forma de pensar. Nietzsche, por conta da sua saúde precária, perambulou por cidades da Europa em busca de melhores climas. E, sobretudo, Nietzsche buscou sempre estar perto da natureza. Fez da filosofia um exercício ao ar livre, percorrido com os pés, em meio às mais diferentes paisagens. Frias montanhas alpinas, cidades interioranas, vales e densas florestas, ensolarados litorais mediterrâneos. Por conta desses diversos cenários, os teóricos que estudam o enclave entre filosofia e geografia, creditam o vigor e pluralidade do pensamento de Nietzsche a essas constantes deslocações.

Não é sem razão. A sua filosofia “da vida na vida” nasceu nessas experimentações geográficas. Nietzsche fazia longas caminhadas na natureza e contemplava os altos cumes dos Alpes sempre com um bloco de notas na mão. 

Minha casa, meu mundo

Dessa forma, quando pensamos sobre nós e o nosso propósito de vida, não podemos negligenciar a importância do lugar que habitamos. A casa, a cidade, a região, o país; seu clima, relevo, aromas e paisagens também compõem o que somos.

Porém, nem sempre é possível escolher o melhor lugar”. Mas ainda assim não deixamos de buscá-lo. Mesmo inconscientemente fazemos pequenas mudanças e buscamos potencial terapêutico no lugar que habitamos. A estratégia de organizar a casa, mudar móveis, trazer a natureza para dentro de casa com plantas são estratégias para melhorar o nosso entorno. E para alguns, por si só, esses exercícios trazem lampejos de esperança e propósito.

Pequenas fugas no fim de semana para a natureza, caminhadas no parque são outros exemplos. Entretanto, talvez os gregos antigos tenham razão na crença de que cada um tem o seu lugar no mundo. E para eles, a grande busca, o sentido da vida, era descobrir qual era esse lugar. No lugar certo, estava-se alinhado com o cosmos, em harmonia com o todo. Esse era o grande propósito. Ulisses experimentou a maravilha de muitos lugares, mas sabia que o seu era Ítaca.

E, você, já encontrou o seu lugar no mundo?

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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