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A gente cansa de cozinhar?
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Passei o ano passado quase inteiro sem muito prazer em cozinhar. Estranho. Sempre gostei de fazer isso, mesmo quando fazia parte da rotina. Era meu momento de colocar meus pensamentos em ordem ou simplesmente de não pensar. E exatamente por isso comecei a me incomodar quando percebi que preparar uma refeição estava se transformando em um fardo. Pesado. Passei a driblar a falta de vontade pedindo comida, pronta. Comecei a acreditar que havia me cansado de cozinhar. Simplesmente assim.

Cansaço e dor

Um dia, no meio de uma conversa com a terapeuta, ela me disse: “estou vendo aqui o dia em que você estará na cozinha preparando o almoço de domingo feliz, ao lado dos seus filhos”. A frase tinha um motivo: eu estava no olho do furacão da minha separação, o ponto final de um casamento de 13 anos, dois filhos, dois cachorros, e uma dor que cismava em não se apaziguar. A relação já não ia bem há algum tempo. Mas os últimos dois anos foram especialmente difíceis.

Brigas, afastamento. Um travesseiro que permanecia entre nós dois na cama feito muro sólido. Quando finalmente aceitamos que a última página da nossa história a dois havia chegado, acreditei que o alivio dos tempos doidos também chegaria. Ilusão. O guarda-roupa vazio fazia eco em mim, o espaço que sobrava na cama me dificultava o sono e a toalha a menos no banheiro me inundava de lágrimas. Tristeza. No meio do meu afogamento, a frase da terapeuta me pareceu distante e vazia. Mas foi importante para que entendesse que por trás do meu cansaço de cozinhar estava a minha dor.

Tempo de alegria

Preparar uma refeição sempre foi um tempo de alegria, em que a família se reunia para compartilhar. Ao perceber o prato que faltava na mesa e a cadeira vazia me senti órfã também das panelas. Foi preciso tempo para entender que os espaços vazios poderiam ser ocupados, não por outros objetos ou pessoas, mas por um novo olhar.

Foram meses de inverno em mim. E a escrita me ajudou bastante neste processo. As palavras foram meu desague. Até quem uma tarde, minha mãe apareceu na minha porta com um bolo de chocolate: “fiz para você”. Era o mesmo bolo de chocolate que comi tantas vezes ao longo da minha infância. Raiz. Minha mãe não é muito boa com as panelas, mas é uma cozinheira exímia. Foi seu jeito de me abraçar e dizer que tudo ficaria bem. E ficou.

Aos poucos, semana após semana, comecei a olhar para a cozinha com vontade de estar. Peguei meu antigo caderno de receitas e o percorri inteirinho. Parei na receita de suflê de milho, um clássico da cozinha da minha mãe. Preparei, sem cobranças. Até que, num domingo, fiz a refeição para a família: eu e meus dois filhos, Clara e Lucas. Reorganizamos as cadeiras que cada um iria sentar a mesa. Sem qualquer lembrança do vazio. Fomos, naquele dia, aquilo que a vida nos oferecia: nós mesmos, juntos.

E comemos, felizes. Foi quando finalmente entendi que nunca foi sobre a cozinha. O cansaço era da alma, do peso causado pela tristeza. E quando comecei a me refazer, a cozinha voltou a ser um espaço de nutrir, o corpo e a alma.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

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