COMPARTILHE
A beleza das imperfeições
Tim Mossholder
Siga-nos no Seguir no Google News
Neste artigo:

Uma sala no fundo da loja de aviamentos do bairro, sem iluminação natural. Cadeiras de madeira formando um semicírculo. Era nesse lugar escuro que passava minhas tardes de sexta-feira. Tinha 18 anos e sem qualquer janela aberta em mim. Ao meu redor, mulheres entre 65 e 80 anos, inclusive a professora.

Todas fazendo seus tricôs com as linhas compradas ali. As aulas, uma vez por semana, eram gratuitas desde que se adquirisse o material por lá. Decidi fazer um cardigã, creme, de lã grossa. Escolha ao acaso. Projeto audacioso para uma aprendiz. Passava a maior parte do tempo quieta. Apenas ouvia as conversas sobre filhos, netos, consultas médicas, artrite.

Gostava de estar entre elas. Acolhimento. O final da adolescência foi período conturbado e sem pouso. Conforme o casaco ganhava corpo, mostrei para a mãe, que tricota desde sempre e com perfeição – como tudo que fazia. “Está cheio de buracos. Você precisa consertar ou ficará feio depois.” A crítica era território conhecido de mamãe.

MAIS DE ANA HOLANDA

Quem escreveu este texto?

O naufrágio das palavras: a importância das conversas difíceis

Como encerrar ciclos no trabalho de forma saudável?

Relações familiares

Assertiva no olhar duro e inquisitório de quem procura defeitos. Em mim, sempre doeu feito lâmina cortante. Passei a infância ouvindo frases de como deveria ser. Ser magra, bem penteada, roupas passadas, boa aluna e de comportamento irrepreensível, boa filha, médica. Não era magra, preferia meus cabelos ao vento, não me importava com as dobras na camiseta.

Era boa aluna, comportada. Mas não seguiria pela medicina. E isso pesou, por anos, na nossa relação. Preferia o ninho da sala escura das aulas de tricô ao olhar da minha mãe à procura dos buracos no casaco. Ela enxergava todos eles. Em mim. Com quase 60, um AVC, problema que levou o pai dela aos 40, a atravessou e lhe escancarou a vida.

Foi quando veio o primeiro “eu te amo, filha”, ao final de uma ligação. Congelei sem saber como retribuir. Ela também passou a abraçar, sorrir. Dia desses, começamos a trocar figuras de bom-dia e boa-noite pelo Whatsapp. Ela termina a mensagem do mesmo jeito: amo você. Retribuo da mesma forma.

Mais recentemente, enviei a ela um desenho meu. Apavorada. Quantos buracos ela encontraria no meu novo casaco de tricô? Como exaltaria tudo o que eu não era? “Está fantástico. Posso enviar para as amigas?”. Nó no estômago, afago no coração. “Pode.” Estamis, eu e minha mãe, nos reconhecendo. Aprendendo a nos amar e enxergar. Escancarando as janelas. Pelo que somos.

*Os textos de colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de Vida Simples.

Volte para o menu principal e confira a edição 256 na íntegra

Para acessar este conteúdo, crie uma conta gratuita na Comunidade Vida Simples.

Você tem uma série de benefícios ao se cadastrar na Comunidade Vida Simples. Além de acessar conteúdos exclusivos na íntegra, também é possível salvar textos para ler mais tarde.

Como criar uma conta?

Clique no botão abaixo "Criar nova conta gratuita". Caso já tenha um cadastro, basta clicar em "Entrar na minha conta" para continuar lendo.

A vida pode ser simples, comece hoje mesmo a viver a sua.

Vida Simples transforma vidas há 20 anos. Queremos te acompanhar na sua jornada de autoconhecimento e evolução.

Assine agora e junte-se à nossa comunidade.

0 comentários
Os comentários não representam a opinião da revista. A responsabilidade é do autor da mensagem.

Deixe seu comentário